domingo, 7 de abril de 2019

Faculdade Estácio de Curitiba - IED - 2019.1


TEORIA DA NORMA JURÍDICA e TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

TEORIA. Do grego “theoria” = visão de conjunto. É uma visão especulativa global, na qual diversos fenômenos coerentemente estruturados recebem uma explicação cabal. Ela se elabora a partir da observação exata da realidade e atinge níveis sempre mais altos de generalização que lhe permite surpreender a significação íntima dos fenômenos. O teste da verdade de uma teoria é o seu poder de previsibilidade ou o seu valor heurístico (que respeita à descoberta). Ex. Teoria da Decisão Judicial.

NORMA. Etimologicamente o termo "norma" significa, em latim, o esquadro, instrumento que, permitindo conduzir sobre uma reta uma linha perpendicular ou normal, é modelo e medida do ângulo reto. Num sentido figurado, norma significa a pauta da ação humana, ajustada à qual esta ação é reta, isto é, moralmente boa. A norma imediata da moralidade é a própria consciência que formula juízos práticos sobre o valor moral da a ação feita ou por fazer. A norma remota é a inteligência Criadora, ordenando o homem para um fim que ele livremente deve realizar. A norma mediata é a própria natureza humana biológica, racional, livre e social que encarna a intenção criadora e constitui, por si mesma, um programa de ação e de vida. Segundo ela, é moralmente bom tudo aquilo que permite ao homem ser mais plena e harmoniosamente homem. Teoricamente, todo homem, quaisquer que sejam suas condições sociais, econômicas, ou outras, pode atingir sua perfeição moral, pela fidelidade aos ditames de sua consciência. Praticamente, porém, não se pode esquecer que o exercício da liberdade e da responsabilidade moral é condicionado pelas condições concretas da existência de cada um. Ora, acontece que milhões de seres humanos vivem em situações tais de indigência e de miséria que a visão da norma se torna um problema teórico, quase inexistente, sem sentido para eles, que estão atormentados pela fome e pelo desespero. A fidelidade à nossa vocação humana, a realização de nossa natureza, que é inclusive social, nos obriga a pensar nos atormentados e a agir em favor deles. Nossa vida não será conforme a norma, enquanto estiver fechada em egoísmos solitários.

ORDEM. Do latim "ordo, ordinis". O termo é tomado em muitas acepções, nas quais importa distinguir vários sentidos. 1) Num sentido mais geral o termo sugere a ideia de uma organização racional dos elementos de um conjunto, ou de um sistema, que lhe propicia o melhor funcionamento. No mundo infra-humano, percebemos a existência de uma ordem universal que preside ao macrocosmo e ao microcosmo, através de leis sujeitas à rigidez dos determinismos naturais, físicos e biológicos. Os astros descrevem suas órbitas dentro de sistemas que se integram em galáxias. Os reinos mineral, vegetal e animal se intercomunicam num admirável equilíbrio que garante à Terra a permanência das condições indispensáveis à vida humana. Também no mundo nuclear, o homem descobre a existência de sistemas sujeitos a um equilíbrio gravitacional que, uma vez rompido, permite a liberação de um imenso potencial de energia. Foram os pensadores fisiocratas os primeiros que, possuídos pela harmonia desta ordem universal, elaboraram, explicitamente, a ideia de ordem social sujeita a determinismos idênticos aos que presidem a ordem universal e fizeram desta ideia a chave de um sistema econômico, político e social. A ideia de ordem social se presta, porém, a funestos equívocos. Existe idealmente uma organização racional dos elementos das sociedades humanas e destas entre si, que parantiria a todas e à comunidade humana universal o seu melhor funcionamento, e com isto criaria para todos os homens as condições ótimas de desenvolvimento e auto-realização. Identificar, porém, esta ordem com uma determinada estrutura social é o equívoco em que se inspiram todos os reacionários, tanto da direita como da esquerda. Para eles, ordem é o "status quo", cujas eventuais imperfeições devem inspirar, nos que delas sofrem, sentimentos de paciência e resignação, e não pretensões de reforma. Para eles, a ordem social tem a inexorabilidade da ordem cósmica: assim como existem astros, minérios, plantas e animais, num admirável equilíbrio, assim também existem classes diferentes, nobre e plebeus, burgueses e proletários, todos elementos indispensáveis na harmonia universal. São incapazes de compreender que a ordem social é o resultado do esforço sempre renovado do homem, tendendo sempre a se aproximar de um ideal inatingível de perfeição. São incapazes de compreender que a ordem social não preexiste ao homem, mas é criada por ele, agente e sujeito de sua própria história, e não peça de um mecanismo inexorável. A verdade é, porém, que a ordem social identificada com um "status quo" esconde muitas vezes a iniquidade social, isto é, a mais injusta desordem. 2) Num sentido sistemático o termo é empregado para designar um conjunto de seres portadores de características comuns. Neste sentido, é uma categoria de taxionomia, para a classificação de plantas e animais, entre classe e a família, por exemplo: reino, classe, ordem, família, gênero, espécie, variedade. Transportado para o mundo humano, o sentido sistemático se aplica aos conjuntos de pessoas com a mesma qualidade social constituindo um corpo homogêneo dentro da sociedade global. Assim se falava antigamente nas três ordens: nobreza, clero e povo. Assim se fala ainda hoje dos advogados, dos economistas e nas ordens religiosas, instituições que, sob o vínculo dos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência, assumem uma determinada função na Igreja, sob autorização do Sumo Pontífice. 3) Num sentido imperativo, ordem significa uma injunção, um comando baixado por uma autoridade, que se consuma, portanto, num ato ou num gesto (Ex.: Ordem de Habeas Corpus, de Mandado de Segurança, de Injunção, de Habeas Data). Conota ainda uma ideia estrutural e se identifica assim com a hierarquia vigente em todo corpo social organizado.

ORDENAMENTO. Significado de Ordenamento. Substantivo masculino Ação ou efeito de ordenar, de colocar em ordem; ordenação; ordem. [Jurídico] Estruturação hierárquica das regras jurídicas que, compondo um sistema de normas subordinado à Constituição, disciplinam os comportamentos dos indivíduos: ordenamento jurídico. Método que se deve seguir no tratamento e exploração das matas. Sinônimos de Ordenamento: Ordenamento é sinônimo de: ordenação.

A SABEDORIA JURÍDICA

Segundo Rosa Maria de Andrade Nery (Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado): "A experiência social é mercada pela presença do homem em situação de permanente convívio com os seus semelhantes. Durante toda a sua vida, em todos os aspectos de seus relacionamentos, o homem interage: na vida privada, profissional, social, religiosa e nos relacionamentos mais variados há constante intercâmbio de ideias, de formas de trabalho, de manifestações de cultura; de expressões intelectuais; de provimento de meios de subsistência; de formas de entretenimento e divertimento e de realização de negócios; de escolha de meios para a experiência do transcendente. [...] Até mesmo antes de nascer, o homem desafia a ingerência dos atos de outros e, após a sua morte, ainda restam relações iniciadas que precisam de continuidade no seio da sociedade em que viveu, permitindo viabilizar os projetos e sonhos do homem para sua descendência, num contínuo perpetuar da espécie, em perene celebração da vida. É o que acontece, por exemplo, quando o sistema de direito privado se organiza para ditar regras de direito de sucessões e permite que o sujeito de direito faça valer a sua vontade, depois de sua morte, por meio de disposição de última vontade, como o testamento.

O aglomerado de indivíduos, por sua vez, desperta a probabilidade de surgirem atritos entre os membros da sociedade e a necessidade de planificação e disciplina do espaço comum de convivência.
A cobiça natural pelos bens que atendam às necessidades e às demandas das pessoas e a escassez dos recursos utilizados para a produção desses bens e riquezas despertam um natural questionamento em torno da explosão populacional do Planeta, do aumento sempre crescente da capacidade de alguns terem muito em detrimento de muitos que nada têm, e, consequentemente, acopla ao conceito jurídico de propriedade - ter, usar e gozar o que se tem - um componente jurídico para "bem" que nunca havia sido dimensionado antes, fenômeno esse que a ciência econômica denomina, singelamente, de bem econômico.

O mínimo de ordem que permita a convivência harmônica de todos é requisito necessário para a mantença da sociedade, que, por essa disposição, passa a se organizar. Essa organização implica o estabelecimento de regras por quem tenha condições de exercer autoridade e merecer o respeito dos demais.

Por isso o direito pode ser assim compreendido: É o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo poder público.

Pergunta: Como funciona realmente o direito atual? Resposta: Seguindo a trilha da teoria democrática do discurso jurídico, é possível trabalhar com a ideia de insistir sobre a necessidade de observação dos problemas segundo diferentes pontos de vista, de consideração da complexidade que eles representam, de fomento do diálogo baseado na busca de consenso e de respeito ao direito dos cidadãos de que as decisões tenham um fundamento razoável. O pluralismo e a diversidade constituem um fato incontrastável, e por essa razão é necessário assumir critérios compreensivos das diferentes posições para que seja alcançado um consenso entrecruzado, que, ao mesmo tempo que não será o que cada um deseja, permitirá o que todos desejam: uma sociedade ordenada com base em um critério mais realista de justiça. Por essa razão não se encontrará uma "receita" para produzir sentenças, nem uma definição acerca dos grandes temas filosóficos, senão uma arquitetura procedimental de raciocínio. Isso implica em também evitar algumas definições. [...]. Já a matriz para o raciocínio legal, com grande fraquência, observa-se o modo unilateral e limitado com que muitos juristas apresentam seus argumentos, o que pressupõe: 1) a despreocupação como o outro: ignora-se por completo a ideia de um contra-argumento, alguém que pense diferente, de modo a ter de conviver apenas com aqueles que acolhem a mesma posição, devendo os discordantes viver em outra sociedade o mais distante possível; 2) a despreocupação com o conflito: muitas opiniões são mera coleção de referências ao direito comparado, aptas a mostrar erudição, mas absolutamente rudimentares, já que não constituem uma proposta para decidir o caso concreto em uma realidade especial; 3) a despreocupação com a aplicação: é comum afirmar-se uma tese sem explicar como será aplicada em um mundo de recursos escassos, como se a sua aplicação prática fosse um problema que deve ser solucionado por outra pessoa; 4) a despreocupação pela decisão transacional: diz-se algo de modo definitivo, como um pacote fechado que não se abre. O raciocínio não surge do conflito, mas é anterior, uma vez que é conformado previamente e se decide de maneira similar para todos os temas, de modo que se aprende a perguntar primeiro qual o juiz que vai decidir para logo se saber o que ele vai responder em relação a diferentes casos, quaisquer que sejam suas características. A existência dessa "ideologia" prévia não é necessariamente negativa, já que todos a temos - o problema é sua ocultação e a falta de debate sobre ela.

Nos últimos anos teve origem um forte questionamento acerca do discurso jurídico, grande parte do qual se refere a uma crítica severa das obras de direito e do ensino jurídico. Law in the books vs law in action significa que as teses que se apresentam do modo indicado não servem para resolver problemas, ignorando que o direito se orienta para este propósito. A ideia, então, é discutir o modo como se raciona juridicamente, em vez de se dar uma definição para cada problema. Daí que deixamos em aberto muitas questões, porque a solução é móvel, flexível, significa sempre um equilíbrio, uma harmonização de interesses ou argumentos contrapostos.

Considerando o fortalecimento institucional: uma tensões que mais preocupam a doutrina contemporânea é a que se produz entre a linguagem jurídica e o não-jurídico. Uma decisão tomada conforme a linguagem jurídica, qualquer que tenha sido do órgão de que tenha emanado (administrativo, judicial, arbitral), é questionada com base em critérios não-jurídicos, e cada vez mais rudimentares, o que dá origem a elementos de pressão muito fortes sobre o sistema legal (Diz-se que na Idade Média os julgamentos eram um espetáculo, caracterizado pela excitação e a cruel satisfação para justiça executada, o que se contrapõe à ideia tímida e vacilante que nossas sociedades desenvolveram sobre a justiça. Veja-se: Huizinga, John [...]. Este autor contrapõe essa visão com a atual, obviamente fundada no devido processo, que foi uma conquista em relação ao julgamento medieval. Outros, de modo diverso, sustentam que há um retorno à Idade Média, no sentido de que a sociedade retorna ao espetáculo, à paixão pela execução). Não se questiona apenas a decisão, senão a legitimidade de quem decidiu (Por exemplo, se for um juiz a decidir, questiona-se sua autoridade (criticando sua formação, suas concepções sobre a vida, qualificando-as como parciais e discriminatórias), vinculam-no com outras questões que o desmerecem (vinculações políticas, econômicas etc.), ameaçam-no com pedidos de julgamento penal, político, denuncias midiáticas, recorre-se da decisão de modo interminável (perante os tribunais superiores nacionais e transnacionais), propõe-se o mesmo conflito frente a vários juízes (vinculando o conflito com temas extremamente amplos como direitos humanos, proteção de investimentos etc.), fomenta-se um batalha midiática, constroem-se cenários de pressão para obter uma solução favorável. A tarefa de decidir os complexos conflitos que apresentam as sociedades atuais tornou-se altamente insalubre para qualquer um que tente enfrentá-los.). Tanto a crítica sobre o discurso como a deslegitimação da autoridade da qual emana a decisão têm grande impacto sobre o direito, porque levam a uma discussão permanente, interminável, com o que a lei se transforma em um conselho não-obrigatório, e a decisão do conflito não gera coisa julgada. Embora isso seja mais comum em países de instituições débeis, trata-se de fenômeno que vem se generalizando. O resultado é a falta de proteção dos cidadãos, que necessitam de instituições fortes para que possam defender seus direitos individuais. Portanto, é necessário que as instituições se fortaleçam, e isso requer, além de outros aspectos, que o discurso jurídico recupere sua capacidade de convencer. Isso importa que se passe a considerar o argumento de que a sociedade deve utilizar a linguagem do direito e não o contrário.", segundo Ricardo Luis Lorenzetti - Teoria da Decisão Judicial).

Por fim, seguindo Rosa Maria de Andrade Nery (Noções Preliminares de Direito Civil), onde registra: "A rapidez do desenrolar dos acontecimentos no mundo contemporâneo e a disposição evidente dos cientistas do Direito em se manterem pouco participantes de incômodas discussões que exigem a palavra do jurista na equalização de fatos novos com os quais a sociedade atual convive trazem-se à lembrança uma cena do filme 'Novecento', de Bernardo Bertolucci: por ocasião de uma festa de casamento, um casal mata violentamente um menino e esconde seu corpo. Quando o homicídio é descoberto, em meio ao alarde de todos os convivas, um camponês é acusado de ter praticado o crime, pelo verdadeiro autor do fato, e submetido a um verdadeiro massacre, sob o olhar impassível de todos os presentes, dentre eles o noivo, amigo do acusado. Dentre as testemunhas do fato e agressores do acusado, há gente de todo tipo. Dois que têm certeza da inocência da vítima, porque foram os autores do crime; outros que não têm certeza de nada, mas acham que pelas circunstâncias do caso é bem possível que tenha sido o acusado o autor do crime; outros que não querem perscrutar o que se passou, porque basta ter alguém incriminado para satisfazer a ânsia de vingança que todos alimentam; outros que são amigos do indigitado criminoso, que o conhecem muito bem, e sabem perfeitamente que ele não seria capaz de cometer aquele crime. 

No desenrolar dessa cena, por extrema maestria do diretor, o espectador não tem sua atenção voltada para a cena chocante e brutal do linchamento do camponês, como seria natural. Sua atenção, como que por magia, se volta para os rostos dos que presenciam a cena, e a força mais intensa do episódio é percebida na imagem do amigo do acusado, o dono da festa, quando é focalizado. Sua face é um misto de dor e covardia, de fraqueza e impotência que abala o espectador, tal a forma grotesca com que fica desnudo o caráter daquele homem que covardemente assiste a tudo, inerte. 

É justa a preocupação dos que alertam para a falta de respeito aos direitos dos cidadãos, que tem sido reiterada e constantemente perpetrada. Não há dúvida de que o acusado, ainda que verdadeiramente culpado, merece o respeito de todos e que ninguém pode submeter outrem, culpado ou inocente, a escárnio público, e que muitas são as perguntas sem resposta na sociedade atual. Mas corre-se o risco da cena lhes é roubada.

Se por obra de sublime exercício de aprimoramento do espírito os holofotes parassem de iluminar as chagas da sociedade e começassem a clarear os que as contemplam, ganhando-lhes o semblante, qual seria o rosto que mais repulsa nos despertaria? Não seria, por certo, o do verdadeiro culpado, ou o do co-autor de muitas barbáries, que esses são mesmo inescrupulosos e deles já não se espera muito, e não serão capazes de nos causar grande decepção.

A grande decepção ficaria por conta daqueles que, abúlicos, contemplam os fatos e sobre os quais não pesa objetivamente nenhuma acusação. Aqueles que sabem quem são os verdadeiros culpados e se calam. Esses que são os espectadores de tudo e se põem acima de qualquer suspeita, tudo vêem e tudo sabem, cruzam os braços, fecham os olhos e permitem o massacre.".

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