domingo, 14 de agosto de 2016

Ética Humanística: Emancipação

     "Maravilhas são muitas, e nenhuma é mais maravilhosa que o Homem." (Sófocles).
     Sob título "Emancipação", escrevera Zygmunt Bauman, em "Modernidade Líquida", que: "Ao fim das "três décadas gloriosas" que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial - as três décadas de crescimento sem precedentes e de estabelecimento da riqueza e da segurança econômica no ´próspero Ocidente - Herbert Marcuse reclamava: "Em relação a hoje e à nossa própria condição, creio que estamos diante de uma situação nova na história, porque temos que ser libertados de uma sociedade rica, poderosa e que funciona relativamente bem ... O problema que enfrentamos é a necessidade de nos libertarmos de uma sociedade que desenvolve em grande medida as necessidades materiais e mesmo culturais do homem - uma sociedade que, para usar um slogan, cumpre o que prometeu a uma parte crescente da população. E isso implica que enfrentamos a libertação de uma sociedade na qual a libertação aparentemente não conta com uma base de massas.". Deveremos nos emancipar, "libertar-nos da sociedade", não era problema para Marcuse. O que era um problema - o problema específico para a sociedade que "cumpre o que prometeu" - era a falta de uma "base de massas" para a libertação. Para simplificar: poucas pessoas desejavam ser libertadas, menos ainda estavam dispostas a agir para isso, e virtualmente ninguém tinha certeza de como a "libertação da sociedade" poderia distinguir-se do estado em que se encontrava. "Libertar-se" significa literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstruiu ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir. "Sentir-se livre" significa não experimentar dificuldade, obstáculo, resistência ou qualquer outro impedimento aos movimentos pretendidos ou concebíveis. Como observou Arthur Schopenhauer, a "realidade" é criada pelo ato de querer; é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do mundo como "real", constrangedor; limitante e desobediente. Sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os outros ultrapassam nossa capacidade de agir. O equilíbrio pode, portanto, ser alcançado e mantido de duas maneiras diferentes: ou reduzindo os desejos e/ou a imaginação, ou ampliando nossa capacidade de ação. Uma vez alcançado o equilíbrio, e enquanto ele se mantiver, "libertação" é um slogan sem sentido, pois falta-lhe força motivacional. Tal uso nos permite distinguir entre liberdade "subjetiva" e "objetiva" - e também entre a "necessidade de libertação" subjetiva e objetiva. Pode ser que o desejo de melhorar tenha sido frustrado, ou nem tenha tido oportunidade de surgir (por exemplo, pela pressão do "princípio de realidade" exercido, segundo Sigmund Freud, sobre a busca humana do prazer e da felicidade); as intenções, fossem elas realmente experimentadas ou apenas imagináveis, foram adaptadas ao tamanho da capacidade de agir, e particularmente à capacidade de agir razoavelmente - com chance de sucesso. Por outro lado, pode ser que, pela manipulação direta das intenções - uma forma de "lavagem cerebral" - nunca se pudesse chegar a verificar os limites da capacidade "objetiva" de agir, em menos ainda saber quais eram, em primeiro lugar, essas intenções, acabando-se, portanto, por colocá-las abaixo do nível da liberdade "objetiva". A distinção entre liberdade "subjetiva" e "objetiva" abriu uma genuína caixa de Pandora de questões embaraçosas como "fenômeno versus essência" - de significação filosófica variada, mas no todo considerável, e de importância política potencialmente enorme. Uma dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade não seja de fato liberdade; que as pessoas poderem estar satisfeitas com o que lhes cabe mesmo que o lhes cabe esteja longe de ser "objetivamente" satisfatório; que, vivendo na escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentem a necessidade de se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente livres. O corolário dessa possibilidade é a suposição de que as pessoas podem ser juízes incompetentes de sua própria situação, e devem ser forçadas ou seduzidas, mas em todo caso guiadas, para experimentar a necessidade de ser "objetivamente" livres e para reunir a coragem e a determinação para lutar por isso. Ameaça mais sombria atormentava o coração dos filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejeitassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liberdade pode acarretar.".
     Segundo Erich Fromm, "É obrigação do estudante da ciência do homem não procurar soluções "harmoniosas", sofismando com essa contradição, e sim vê-la nitidamente. A missão do pensador ético é sustentar e fortalecer a voz da consciência humana, reconhecer o que é bom e o que é mau para o homem, sem levar em conta se isso é bom ou mau para a sociedade em um período especial de sua evolução. Ele talvez seja aquele que "clama no deserto", porém somente se esta voz permanecer viva e intransigente o deserto se converterá em terra fértil. A contradição entre a ética socialmente imanente e a ética universal se reduzirá e tenderá a desaparecer, na mesma proporção em que a sociedade se torne verdadeiramente humana, isto é, cuide do pleno desenvolvimento de todos os seus membros. [...] a ética humanista adota a posição de que se o homem está vivo, sabe o que é permitido, e de que estar vivo significa ser produtivo, empregar seus próprios poderes não para uma finalidade que o transcenda, mas para si próprio, para compreender sua própria existência, para ser humano. [...] Nosso período é um período de transição. A Idade Média não terminou no século XV e a era moderna não se iniciou imediatamente depois. Fim e princípio implicam um processo que durou mais de 400 anos - um prazo bem curto, de fato, se o medirmos em termos históricos e não da duração de nossa vida. Nosso período é um fim e um começo cheio de possibilidades. Se eu repetir a pergunta formulada no início deste livro, qual a de saber se temos razão para nos orgulharmos e para termos esperança, a resposta será uma vez mais afirmativa, porém com uma restrição que decorre do que estivemos examinando: nem o bom nem o mau resultado é automático ou preestabelecido. A decisão está nas mãos do homem. Está em sua capacidade de levar a sério a si mesmo, a sua vida e felicidade; em sua disposição para enfrentar o problema moral seu e de sua sociedade. Está em sua coragem para ser ele mesmo e por si mesmo.". Enfim, conforme Ibsen: "Somos pensamentos ... Somos um lema ... Somos canções ... Somos lágrimas ... Somos ações ...".

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