sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Educação e Filosofia: Desafios ao Diálogo

     Sob esse título, ao prefaciar o livro (Filosofia e Educação:Um Diálogo Necessário, Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2011, p.9/12), cuja organização coube a Claudia Battestin a Fábio Antonio Gabriel, Sílvio Gallo desenvolvera discurso que vale a pena ser conhecido. Eis então:
"Filosofia e Educação têm estado próximas desde suas respectivas origens na cultura ocidental. Essa proximidade às vezes gera coerência entre ambas; às vezes, gera cooperação mútua; mas outras vezes, gera contradição.
     Ao longo da história, foram sendo experimentadas várias formas de articular Filosofia e Educação. Talvez a mais comum e corrente delas seja aquela que afirma que a Filosofia fornece os "fundamentos" para a ação coletiva. Penso que esta articulação "fundamentalista" precisa ser evitada, pois ela não é produtiva nem para a Filosofia nem para a Educação. Por quê? Porque, na maioria das vezes, quando afirmamos que a Filosofia é responsável por fornecer os fundamentos para a teoria e a prática educativas, estamos diminuindo a Educação, estamos dizendo que ela não pode existir sem a Filosofia. E penso que isso não é fato. Faz-se educação sem Filosofia. Em meu ponto de vista, se faz Educação melhor com Filosofia, mas afirmar que não se faz Educação sem ela (seja no âmbito da teoria, seja no âmbito da prática) seria um exagero e um absurdo.
     A relação necessária entre Educação e Filosofia é a relação de diálogo. E diálogo só acontece entre iguais, entre instâncias de um mesmo nível. Se estamos com duas instâncias em níveis diferentes (uma fundamentando e outra sendo fundamentada) temos uma relação desigual, a emissão de palavras de ordem, uma relação de mando e obediência. A filosofia não precisa disto. Tampouco a Educação o necessita. Mas um diálogo aberto entre elas é importante para as duas áreas, fortalece cada uma delas.
     Eu diria ainda um pouco mais: o desejável seria um diálogo transversal entre Filosofia e Educação. Um diálogo entre iguais, um diálogo de atravessamentos. Um diálogo no qual a Filosofia se faz Educação e a Educação se faz Filosofia. Um diálogo que não seja uma forma de uma parasitar e alimentar-se da outra, sem nada oferecer em troca, mas um diálogo que produza uma simbiose, um crescimento mútuo, em que uma alimenta-se da outra ao mesmo tempo em que alimenta a outra. Ou, se quisermos utilizar um conceito interessante de Deleuze e Guattari, podemos falar em fazer rizoma entre a Filosofia e a Educação. Promover uma mistura, uma mestiçagem, um amálgama no qual uma se perde na outra, para ressurgir mais forte, mais produtiva.
     Na perspectiva deste diálogo transversal eu diria, com mais certeza e tranquilidade: ainda que se faça Educação sem Filosofia, se faz melhor Educação com Filosofia. Do mesmo modo, ainda que se faça Filosofia em Educação, faz-se melhor Filosofia com Educação.
     Tomando pelo lado da Filosofia, o que ela pode receber deste diálogo entre iguais? Se pensarmos a Filosofia com um campo de produção de saberes que consiste em experimentar problemas e criar conceitos (na direção daquilo que os filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari apontaram em O que é a Filosofia?), a Educação pode ser pensada como um "campo problemático", como um "plano de imanência". Segundo os autores citados, a Filosofia consiste numa atividade de criação conceitual, mas o conceito é sempre imanente, um ato de pensamento produzido a partir da experimentação concreta de problemas concretos. Sem um plano de imanência não há criação de conceitos e não há Filosofia. Sem a experiência sensível do problema não há produção de conceito, não há Filosofia. No âmbito de uma Filosofia da Educação temos justamente esta simbiose, este rizoma de dois campos, com a Educação oferecendo à Filosofia um conjunto de problemas (ou um campo problemático, eu prefiro) que instigam ao pensamento, que dão o que pensar, isto é, que colocam em movimento o ato mesmo do filosofar.
     Tomando pelo lado da Educação, ela recebe da Filosofia a possibilidade do pensamento pelo conceito, a possibilidade de uma conceituação dos problemas educacionais. Isso significa que não se pensa em Educação sem o aporte da Filosofia? De forma alguma. Mas, com a Filosofia, a Educação pode pensar-se conceitualmente, de uma forma e numa modalidade que outras áreas de saber não lhe possibilitam.
     Nesta perspectiva, pois, a Filosofia e Educação podem estabelecer um diálogo entre iguais, um diálogo transversal do qual ambas se alimentam e crescem, em possibilidades de pensamento e de criação.
     O livro que o leitor ora tem em mãos nos oferece diversas possibilidades para o exercício deste diálogo transversal. Os textos estão organizados em três blocos, que evidenciam três interfaces distintas para o diálogo transversal entre Filosofia e Educação. Vemos aqui uma multiplicidade de problemas educativos sendo abordados por uma multiplicidade de ferramentas conceituais da Filosofia. Faço especial destaque para dois destes blocos. Aquele intitulado "E mais diálogos necessários: a Filosofia e outros saberes", uma vez que se evidencia, aqui, a transversalidade da qual falei antes; os textos deste bloco experimentam atravessamentos da Educação com a Filosofia e com outros campos e outros saberes, especialmente as Artes. A multiplicidade de vozes no diálogo leva a uma riqueza tanto para a Educação quando para a Filosofia, que podem se repensar e se produzir nesta polifonia. O outro bloco que quero destacar é o que se intitula "Filosofia e ensino de filosofia: fundamento e prática da filosofia no contexto escolar", na medida em que ele coloca em evidência um campo de investigação emergente na Filosofia da Educação no Brasil nesta última década. Cada vez mais se tem investigado a problemática do ensino de Filosofia desde uma perspectiva filosófica e este livro traz um conjunto de textos que abordam distintos aspectos desta problemática.
     Enfim, o que encontramos nestas páginas são possibilidades de pensamento, possibilidades de diálogo, exercício de promover articulações entre Educação e a Filosofia através das quais emerge um diálogo de fato entre essas duas áreas, um diálogo que valoriza cada um deles, pelas novas possibilidades de criação e de pensamento que são abertas. Desejo a cada um que o tenha em mãos que adentre por estas páginas e que seja mais um sujeito destes diálogos, que não estão dados e prontos, mas convidam para a interação e a participação de cada um que lê este livro.". 
     Sem nada acrescentar, destaco a importância da proposta desse modo de pensar com relação ao ensino, o estudo, a busca, a pesquisa em Direito uma vez que o Direito trabalhado com esse viés filosófico fica muito mais rico e mais realista. É que aquele modo de trabalhar o direito de forma um tanto abstrata é coisa do passado. Aquele Direito trabalhado sob o enfoque predominantemente positivista é coisa do passado. O trabalho com o Direito, na atualidade, busca a hermenêutica. Nesse sentido, estão as importantes propostas de José Afonso da Silva, Jacques Chevallier, dentre outros, as quais abrem muitas especulações que ultrapassam a figura do Estado, sendo uma delas, a de que a reavaliação das funções do Direito na sociedade, originando uma nova visão do fenômeno normativo para além da configuração rígida e piramidal que predominou até o século passado. A forma do trato das relações em horizontais, transversais e em rede dão o tom do mais recente modelo que está sendo apresentado e no Brasil esse tom é extremamente salutar.
 

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