domingo, 11 de outubro de 2015

Do Casamento e da Família

    A Comissão Especial do Estatuto da Família na Câmara dos Deputados concluiu, nesta quinta-feira (08/10/2015), a votação do PL-6.583/13, e manteve o texto do substitutivo aprovado no fim do mês passado. Pela matéria, define-se família como o núcleo formado da união entre um homem e uma mulher. O relatório aprovado em 24/9 consigna que relações de "mero afeto" não devem ser tratados pelo Direito de Família. Segundo o relator, os diferentes arranjos sociais não presumem "reprodução conjunta" e "cumprimento de papel social". Esses arranjos não deixam de receber proteção jurídica. Daí a importância dos conceitos de casamento e de família que se queira formular.
     Casamento: dá-se, pela união de um homem e de uma mulher como esposo (marido) e esposa (mulher), segundo o padrão estabelecido pela tradição. Do latim "casa", choupana, que, em algumas línguas românticas, passou a significar moradia, lugar de habitação, lar, ato de constituição de um lar. É o ponto de partida para a constituição da família, o qual requer requisitos, formalidades e pressupostos próprios, e tem como fim primordial a transmissão da vida e a educação dos filhos. Baseado no amor (amor filia), ele importa em dom recíproco que os cônjuges se fazem de si mesmos. É geralmente precedido pelo namoro e o noivado que devem servir-lhe como preparação, revelando a existência de harmonia e comunhão de ideias e de sentimentos, permitindo a verificação da constância e firmeza dos laços afetivos, favorecendo o planejamento conjunto da vida futura. A ordem jurídica nacional prestigia esse instituto (CF, art. 226 e 227) e o dá como pressuposto da família e a lei ordinária estabelece condições para tanto. 
     Família: O termo hebraico mish-pa-hháh (família), além de se referir ao conjunto dos membros duma família, também significa, por extensão, uma tribo, um povo ou uma nação. A palavra grega pa-tri-á também tem alcance amplo. Do latim "família", significa o conjunto de pessoas unidas por vínculos de parentesco, mais os agregados ("famulus" = criado, empregado), que constituam a menor  unidade social autárquica. Era a família de tipo patriarcal, atualmente, substituída, em quase todos os países, pelo tipo da família conjugal, composta exclusivamente do casal e os próprios filhos. Estudos recentes de Antropologia Cultural levam à conclusão mais provável de que a família monogâmica foi o tipo primitivo da família humana, tipo que subsistiu em muitas culturas, apesar de outras formas terem aparecido, como a família poligâmica (um homem casado com várias mulheres), e a família poliândrica (uma mulher casada com vários homens). Ficou estabelecido que a família tem quatro funções: l) A função procriativa, que garante a permanência e a eventual expansão do grupo e é ao mesmo tempo um fator de promoção humana dos cônjuges, como o trabalho, por exemplo. No plano natural, a paternidade e a maternidade constituem a vida comum pela qual o homem e a mulher atingem a sua plenitude biológica e psíquica; 2) A função educativa, que prolonga a precedente e proporciona à prole os meios necessários para participar da vida em grupo; ensina os rudimentos da linguagem, inculca os hábitos indispensáveis para que ela possa viver numa sociedade humana. A vida social requer um longo aprendizado, que só pode ser ministrado mediante ação perseverante e carinhosa que desce aos mínimos detalhes. É a família que ensina a assumir com naturalidade inúmeros comportamentos e atitudes, sem os quais a prole seria desajustada e tornaria insuportável a vida social para ela; 3) A função econômica, pela qual a família procura os meios de subsistência e de conforto, a base material necessária ao desempenho das demais funções. Esta função se realiza comumente pela divisão do trabalho entre os diversos componentes da família. A tendência, ainda atualmente predominante, confere aos elementos masculinos os trabalhos fora do lar e aos elementos femininos, os trabalhos domésticos.Esta prática, porém não é absoluta e, mesmo na família ocidental, inclusive nos países em desenvolvimento, já se notam tendências marcantes que solicitam a mulher para o trabalho fora do lar e distribuem a todos os membros da família as tarefas domésticas; 4) A função emocional, baseada na complementaridade dos sexos, garante aos membros da família o equilíbrio emotivo. A família é o lugar natural onde o amor, a mais profunda exigência humana, se realiza e se expande: amor mútuo do homem e da mulher (amor eros); amor de ambos pelos filhos (amor filia), que são a síntese viva deles mesmos e a garantia de sua prolongação e sobrevivência no tempo; amor dos filhos aos pais e dos irmãos entre si. (o amor ágape, ainda não se desenvolveu entre os homens). Quando a família falha nessa função, os reflexos dessa falência podem traumatizar profundamente os seus membros e dar origem a desajustes psíquicos que repercutem em todos, mesmo no âmbito profissional e público, alertam os estudiosos desse domínio. A família contemporânea revela certas características novas, em parte condicionadas pelos efeitos da cultura tecnológica. Entre estas características, chama-se a atenção para as seguintes: 1) A família contemporânea tende a diminuir de dimensões. Estudos apontam que o ritmo dessa redução de dimensões é diverso, segundo vários fatores, por exemplo, mais acelerados em meios urbanos do que em meios rurais, mais lento em meios católicos do que em meios não-católicos em e outras doutrinas. As condições de vida urbana são cada vez mais hostis à família numerosa, que exige gastos inacessíveis à família de classe média. Por outro lado, os meios católicos e de outras doutrinas, resistem mais à divulgação dos métodos anticoncepcionais responsáveis pela redução da família contemporânea. 2) A família perde a estabilidade. Este é parcialmente resultante do anterior. A família, de bases cada vez mais reduzidas, é cada vez mais instável. É estatisticamente sustentado que a frequência de separações é maior em famílias pequenas do que em famílias numerosas. Entretanto, o principal fator desta instabilidade crescente é de ordem ideológica, ou seja, a concepção hedonista da família, pela qual um número sempre maior de jovens nubentes vê no matrimônio não uma responsabilidade, e sim apenas uma oportunidade de prazer, apontam outros estudos. Neste caso, quando, na vida conjugal, o prazer não compensa mais os sacrifícios, o vínculo se rompe e cada cônjuge vai tentar novas aventuras. votadas ao mesmo fracasso, porque inspiradas na mesma concepção. 3) A família sofre uma interferência cada vez maior do Estado, o qual se atribuiu funções antes desempenhadas pela própria família. Esta interferência, até certo ponto, é benéfica, além do qual se torna maléfica. É benéfica, enquanto o Estado assume tarefas de base e deixa à família maiores possibilidades de realizar melhor sua própria  essência de intimidade fecunda. Antes, a família deveria buscar água e combustível. Atualmente, o Estado indroduz em casa a água, o gás, a luz elétrica. Esta interferência se torna, porém, maléfica, quando o Estado ameaça substiuir-se à mesma família em funções que são seus direitos inalienáveis e para cujo desempenho ela tem qualificações naturais insubstituíveis, como, por exemplo, a educação; 4) A emancipação crescente da mulher, seja por razões de ordem econômica, para garantir um certo equilíbrio do orçamento familiar, seja por razões ideológicas inspiradas principalmente num falso feminismo. No Brasil, de certo modo, a família atravessa uma crise característica de muitos países em desenvolvimento: a pequena família conjugal perdeu a proteção emocional, afetiva e econômica que encontrava dentro do complexo patriarcal, em dissolução, e não recebeu da sociedade global ou substitutivos que a poderiam ajudar no desempenho de suas funções. Só uma reforma de estruturas, que reconheça a família como sujeito de deveres e de direitos específicos poderá preservar a família monogâmica e conjugal, que é certamente a mais segura.
     Enfim, é possível afirmar que embora a ordem jurídica proteja todas as espécies de arranjos, a família tem conceito próprio já desenvolvido e é restritivo, cuja característica essencial é: ser formada na base de um homem e uma mulher. Os demais arranjos, embora recebam proteção da ordem jurídica, ainda são carentes de conceitos bem formados e que nem todos são passíveis de transformação em família. Daí que o objetivo deste texto é alertar para a atenção aos conceitos e assim evitar a possível confusão entre termos e expressões, que isso pode gerar, sob pena de o Direito virar uma coisa ininteligível e sem estabilidade.
    

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