sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Cristianismo: uma revolução profunda

     Segundo Fustel de Coulanges, em A Cidade Antiga: "A vitória do cristianismo assinala o fim da sociedade antiga. A nova religião termina a transformação social que vimos iniciar-se seis ou sete séculos antes do seu advento. Nos cinco séculos que precederam o cristianismo já não se manifestava tão estreita a união entre a religião, de um lado, e o direito e a política, de outro. Essa espécie de divórcio provinha do desgaste da antiga religião; se o direito e a política começavam a ser algo independentes, era porque os homens não tinham crenças; se a sociedade não se governava mais pela religião, resultava sobretudo de a religião não ter mais forças. Ora, chegou um dia em que o sentimento religioso retomou vida e adquiriu vigor, e então, sob forma cristã, a crença reconquistou o comando sobre a alma. (...).

     Para sabermos como os princípios e as regras essenciais da política foram então modificados, basta lembrarmo-nos de que a antiga sociedade fora constituída por uma nova religião, cujo principal dogma era que cada deus protegia exclusivamente uma família ou uma cidade, só existindo para elas. Essa religião gerara o direito: es relações entre os homens, a propriedade, a herança, o processo, tudo fora regulado, não por princípios de equidade natural, mas pelos dogmas dessa religião, só atendendo as necessidades de seu culto. Fora ainda essa religião que estabelecera um governo entre os homens: o do pai na família, o do rei ou do magistrado na cidade. Tudo procedera da religião, isto é, da opinião que o homem formara da divindade. Religião, direito, governo, confundiam-se, não eram mais que uma só coisa vista sob três aspectos diferentes

     Com o cristianismo, não só o sentimento religioso se reavivou, mas tomou ainda expressão mais elevada e menos material. Enquanto outrora se haviam forjado deuses da alma humana ou das grandes forças físicas, começou-se agora a conceber Deus como sendo, por sua essência, verdadeiramente estranho à natureza humana, de um lado, e ao mundo, de outro. O divino foi devidamente colocado fora e acima da natureza visível. Enquanto que outrora cada homem fizera o seu deus, havendo tantos deuses quantas as famílias e as cidades, Deus apresenta-se agora como um ser único, infinito, universal, único a dar vida aos mundos, o único a dever preencher a necessidade de adoração inata que há no homem. O cristianismo trouxe ainda outras inovações. Deixou de ser a religião doméstica de determinada família, a religião nacional de uma cidade ou de um povo. O cristianismo não pertencia nem a uma casta, nem a uma corporação. Desde o início, chamou a si toda a humanidade. Jesus ensinava aos seus discípulos: "Ide e ensinai a todos os povos"; o temor aos deuses foi substituído pelo amor de Deus.". Isso tende a provar que as mudanças, pelo entendimento, são lentas e só ocorrem quando há uma base para tanto. Portanto, os heroísmos estão, desse modo, descartados.

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