sábado, 9 de novembro de 2019

Faculdade de Direito Estácio de Curitiba - IED - 2019.2 - AULA 10

ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO (Compreender o conceito de tutela jurisdicional e jurisdição. Conhecer a estrutura e a infraestrutura, bem como o funcionamento do Poder Judiciário Nacional – as funções essenciais à Justiça e as formas alternativas de solução de conflitos).

Um professor a espera de seus alunos: “Se tu vens às quatro da tarde, as três eu já começo a ser feliz.” (O Pequeno Príncipe).

Segundo Torquato Jardim: “Os compêndios didáticos limitam-se ao estudo de um único ramo do Direito. Pecam, dentre outras razões, por não darem a quem se inicia no estudo do Direito a visão sistemática da estrutura constitucional do Poder Judiciário; de como as jurisdições especializadas, diversificadas nos planos da Federação e das matérias, se amoldam numa ordem harmônica e lógica, submetida a princípios formais e materiais comuns, os quais servem de amálgama àquela estrutura constitucional. [...].

Da premissa clássica de que a ninguém é dado fazer justiça por suas próprias mãos, pois daí resultaria desordem social, segue o surgimento e a consolidação milenar de uma autoridade imparcial encarregada de dar solução pacífica, de cunho legal, aos litígios e controvérsias surgidos da convivência social e da realização dos negócios, e de forma isenta quanto aos conflitos políticos e religiosos.

1.1.             O Judiciário como poder político

O Judiciário, enquanto poder político, é concepção recente e ainda não universal. Na França, berço da teoria da separação dos poderes, a função jurisdicional não se constitui em poder político. O Conselho Constitucional, ainda quando convocado pelo Presidente da República ou pelas casas legislativas nacionais a controlar a constitucionalidade das leis e dos tratados, antes da sua promulgação, não é órgão de poder judiciário; não tem poder para anular atos do Legislativo ou do Executivo após a promulgação da lei ou tratado.

No sistema constitucional pátrio, o Judiciário é um dos Poderes da União, independente e harmônico em face do Legislativo e do Executivo (CF, art. 2º). É ele traço inseparável da proposta central da Constituição de se constituir o Brasil em estado democrático de direito (CF, art. 1º). 

O estado democrático de direito reveste, minimamente, três qualidades. Primeira, que os representantes eleitos atuem mediante processo legislativo público e contraditório, de modo que as restrições de liberdade e os ônus de propriedade ou de direitos sejam consentidos pelos que, maioria ou minoria, os tenham que suportar. Segunda, a vinculação do Governo ao quanto posto nas leis, sob controle dos legisladores e da sociedade civil organizada, e a fiscalização jurisdicional dos tribunais. Terceira, a independência irrestrita e a irrecorribilidade das decisões dos órgãos judiciais, aos quais terá acesso imediato qualquer do povo, sempre que se considere ameaçado ou lesado no seu direito, individual ou coletivo, para exigir, de qualquer autoridade pública, política ou administrativa, ou quem faça as vezes de, obediência à lei, inclusive para obter ressarcimento patrimonial.

1.2.             A legitimidade democrática do Judiciário

Tema recorrente é o da legitimidade do Poder Judiciário. O princípio fundamental é a representatividade política adquirida mediante eleições periódicas, para mandatos por tempo certo, ainda que renováveis. A perpetuidade do exercício do cargo político é anátema da democracia: por isso mesmo, nas monarquias constitucionais, todas parlamentaristas, o rei reina mas não governa. Destarte, os mandatários políticos do Executivo e do Legislativo são eleitos, no sistema brasileiro, pelo voto direito. Não assim, todavia, os juízes.

Na primeira instância, o acesso se dá mediante concurso público; na segunda instância, mediante promoção na carreira ou por escolha corporativista combinada com juízo político. Nos tribunais superiores a escolha se dá mediante juízo político do Presidente da República e do Senado Federal ou do Presidente da República e do Supremo Tribunal Federal; ou mediante promoção na carreira ou escolha classista combinado com juízo político do Presidente da República e do Senado Federal. À exceção dos juízes eleitorais, que podem exercer a função no máximo por dois biênios consecutivos, os demais gozam dos predicamentos da vitaliciedade, inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos.

A justificativa do Judiciário como poder político de mandato não eletivo está na natureza intrínseca de sua própria destinação constitucional. Não tem o Judiciário fins autônomos; primeiro, porque julgador isento e imparcial dos interesses de terceiros em conflito; segundo, porque vinculado à Constituição e às leis que dela legítima e validamente derivem; e, terceiro, porque sua função só é exercida mediante provocação, e não por iniciativa própria. Não lhe cabe decisão de política pública (policy). Está vinculado ao conteúdo do quanto disponha o Legislativo. A lei, para o Judiciário, não é apenas limite, como o é para o Executivo, mas objeto único e exclusivo que lhe cabe tutelar e aplicar. Não lhe compete agregar à lei sua vontade pessoal; esta há de ser tradução da vontade da lei (GERALDO ATALIBA).

O Executivo e o Legislativo eleitos pelo voto direito conferem, por derivação ou transferência, uma legitimação democrática ao Judiciário nomeado. Daí a razão de submeter o Presidente da República, ao crivo político do Senado Federal, a escolha dos membros dos tribunais superiores (exceto os Tribunal Superior Eleitoral), para aprovação prévia, por voto secreto, após arguição pública. Isto porque a esses magistrados compete, mais do que a justiça distributiva do caso concreto, a visão política do tratamento judicial das grandes questões sociais. A arguição pública é inovação da CF de 1988. Segue o modelo do Senado dos Estados Unidos, no qual a ordem dos advogados e entidades da sociedade civil apoiam ou contestam as indicações do Presidente da República, diretamente, mediante depoimento, ou por intermédio de um senador. O escrutínio severo condiciona, assim, a escolha do Executivo; tornando mais criteriosa a seleção dos magistrados. No Senado americano, de cada quatro indicações para a Suprema Corte, uma é rejeitada, ou o candidato desiste da indicação.

1.3.             A autonomia administrativa e financeira

Ao Poder Judiciário é assegurada a autonomia administrativa e financeira. Os tribunais elaboram suas propostas de orçamento conforme os parâmetros da lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 99, § 1º). Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, aí compreendidos os créditos suplementares e especiais, ser-lhe-ão entregues até o dia 20 de cada mês (CF, art. 168). Nos termos do Estatuto da Magistratura, lei complementar de inciativa do Supremo Tribunal Federal, e do quanto posto na Constituição (CF, art. 93 e 96), os tribunais conduzem sua própria administração. Assim, elegem seus órgãos diretivos; elaboram seus regimentos internos, observadas as normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionados e administrativos (os estados têm, ainda, códigos de organização judiciária para esse fim); propõem a criação de novas varas judiciárias. Provém, ainda, os cargos de juiz de carreira e os necessários à administração da justiça (CF, art. 96). O Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça têm exclusividade de iniciativa de lei que crie ou extinga tribunais inferiores ou cargos de juízes, ou que altere o número de membros de tribunais inferiores ou a organização e divisão judiciárias, ou que fixe vencimentos de seus membros, dos juízes, dos serviços auxiliares e os dos juízes que lhes forem vinculados (CF, art. 96, II). A fixação do número de juízes dos tribunais pela Constituição, ou nela mesma se dispor que tal alteração só se dê por iniciativa exclusiva do próprio Judiciário. Evita-se, destarte, que, “por interesses ocasionais de partidos, ou para satisfação de ambições açodadas, ou prêmios a ministros de Estado que vão deixar os cargos, ou mediocridades palacianas, se eleve, ou, para obtenção de votos ou de maiorias seguras, se diminua (o número de juízes)” (PONTES DE MIRANDA).

2.          A função constitucional

A função constitucional do Poder Judiciário, no âmbito do estado democrático de direito, consiste em dizer o direito, aplicando  contenciosamente a lei a casos particulares, para assegurar a soberania da justiça e a realização dos direitos individuais nas relações sociais. É sua a tutela, a manutenção e a efetivação do ordenamento jurídico. Daí se impor a equidistância isenta da função jurisdicional, exercida por quem não é parte nas relações e nas situações concretas do processo. Contrasta-se com a função executiva, na qual a autoridade é parte interessada e comprometida nas relações e situações presentes sobre que delibere. Por isso mesmo a distinção entre a função jurisdicional, como tutela objetiva e isenta do ordenamento jurídico, e a função executiva, enquanto atividade comprometida e dirigida à satisfação de seus próprios interesses. O Executivo persegue interesses estatais dos quais ele próprio é órgão, e que não coincidem com aqueles protegidos pela lei, a qual é limite e não objeto da atividade executiva (SANTI ROMANO). Diferencia a função jurisdicional da função legislativa o fato de ocupar-se a primeira com as relações concretas, e a segunda com a generalidade abstrata. Assim o é porque a tradição cultural do direito democrático, da igualdade jurídica de cidadãos iguais, exige, como condição de validade legal e legitimidade política da lei, o ser ela geral e abstrata, isto é, ser provável sua incidência sucessiva e despersonalizada.

2.1.             O controle da moralidade e da constitucionalidade

A par do papel milenar de dizer o direito para resolução dos conflitos privados, o Judiciário, no estado democrático de direito contemporâneo, investiu-se de responsabilidade política. Embora mediante técnica jurídica, e tendo por premissa texto legal, da função jurisdicional, enquanto expressão de um poder político, decorreu o controle do próprio Estado, mediante verificação da compatibilidade da lei ou ato executivo ou legislativo com a Constituição. Essa responsabilidade, acolhida expressamente em Constituições mais recentes, torna o Poder Judiciário árbitro e fiscal engajado do juízo político ou administrativo de oportunidade ou conveniência das leis ou atos que pretendam dar consecução ao interesse público. A atual Constituição brasileira, ao dispor sobre a Administração Pública, adota essa nova postura, ao fazer da moralidade norma de direito positivo. Assim, torna-se, agora, obrigatório para o Juiz, o exame da oportunidade ou da conveniência do ato executivo, e não apenas a verificação da legalidade formal extrínseca dos meios de que se utilize o Estado para promoção de seus interesses (CF, art. 37). 

O controle da constitucionalidade das leis ou atos normativos pelo Poder Judiciário (“chave de nosso regime constitucional, seu princípio supremo” – RUY) se dá pelo método concentrado ou pelo método difuso. O método concentrado é exclusivo do Supremo Tribunal Federal, quando em questão a Constituição Federal; nos Estados, quando em consideração as constituições estaduais, o Tribunal designado pela Constituição estadual. É exercido mediante procedimento no qual inexistem partes; por conseguinte, a decisão é tomada em abstrato, razão por que tem a opinião da Corte efeito vinculante geral (erga omnes), independentemente de manifestação do Poder Legislativo. Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Ao Tribunal designado pela Constituição estatual compete processar e julgar a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da própria Constituição estadual (CF, art. 125, § 2º). O método difuso é o recurso de todos os órgãos judiciários, vale dizer, de qualquer juiz ou instância para, incidentalmente, no curso de qualquer processo, afastar a incidência de lei ou ato que julgue contrário à Constituição para, a seguir, decidir o caso concreto que tenha diante de si. A decisão, assim tomada no processo ordinário, tem força vinculante apenas para as partes que nele litiguem. O que faz o juiz “é simplesmente estatuir que, numa questão dada, o indivíduo A tem, ou não, direito à sentença que demanda contra X; conquanto, no decidir da lide, tenha que declarar que certo e determinado ato legislativo não pode receber aplicação por exceder as faculdades constitucionais do Congresso” (DICEY apud RUY). Por conseguinte, o julgado só é exequível entre as partes, “dependendo os casos análogos, enquanto o ato (inconstitucional) não for revogado pelo poder respectivo, de novas ações, processadas cada uma nos termos normais” (RUY). [...] Ainda RUY: “o freio dos tribunais consiste na faculdade que lhes pertence o executivo dentro de sua autoridade, recusando sanção jurídica a qualquer ato a que ele fora dela se aventure.”.

2.2.             Condições para o exercício da função jurisdicional

Quatro condições são essenciais para o exercício da função jurisdicional. Primeiro, é um poder essencialmente vinculado no seu conteúdo; não tem ele fins autônomos, diversos dos propostos pelo Poder Legislativo. Assim, a lei não é apenas limite, como ocorre com o Executivo, mas é, no que concerne à sua aplicação e efetivação, o único e exclusivo objeto para o qual aquele poder deve ser exercido. O poder de aplicar a lei, por conseguinte, compreende e pressupõe aquele de interpretá-la. A interpretação, todavia, não é atividade discricionária, nem exaure a função jurisdicional, ainda que a aplicação e a efetivação possam ter esse caráter, quando a própria lei atribua tal faculdade à autoridade jurisdicional. Segundo, é poder também vinculado no seu exercício, pois não é faculdade, mas obrigação, enquanto agente o juiz da concretização do direito fundamental do cidadão à proteção jurídica do Estado (CF, art. 5º, LXXIV): “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”). Por isso mesmo, e porque não pode excusar-se à prestação jurisdicional, o juiz, quando a lei for omissa, decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, atento aos fins sociais e às exigências do bem comum (LInDB). Terceiro, seu exercício não é espontâneo, mas deve ser provocado, e isto porque o titular do poder jurisdicional, ao contrário do administrador ou do legislador, não representa interesse específico próprio. A função do juiz é passiva e eventual, e sua decisão vinculada ao que perante ele se alegue e se prove, independentemente de sua impressão pessoal; sua sentença ó é exequível em relação aos que figurarem no processo. Não lhe cabe poder de iniciativa, há de esperar pelo pedido voluntário dos litigantes; por natureza é sem ação, há de ser posto em movimento pela iniciativa individual (WILSON e TOCQUEVILLE apud RUY). Quarto, a autoridade da coisa julgada. As decisões definitivas do Judiciário têm autoridade de coisa julgada, e se impõe à própria lei, que não pode prejudica-la (CF, art. 5º, XXXVI). Impor-se à lei significa impor-se ao direito; devem-lhe obediência não só as partes do litígio concreto, mas também terceiros a ele estranhos, bem como o Estado, por qualquer de seus poderes. Coisa julgada, nessa perspectiva da relação política dos poderes, é mais do que a noção processual de decisão judicial de que já não caiba recurso (LInDB). Consiste nas relações constitucionais de poderes independentes e harmônicos entre si, na irrecorribilidade política da palavra judicial. Os eventuais excessos, no que configurem crime, serão como tais processados, e os erros porventura cometidos poderão ser compensados pelo Estado. A decisão judicial em si restará intocada; seus efeitos é que poderão ser corrigidos ou compensados em razão do excesso ou erro. Os atos jurisdicionais, por isso mesmo, ainda quando contrários à lei, diversamente dos atos executivos, não dão lugar a responsabilidade nem do Estado, nem dos magistrados. A reparação que algumas vezes o Estado efetua em alguns casos de erro judiciário (CF, art. 5º, LXXV: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que for preso além do tempo fixado na sentença”), tem caráter de prestação de socorro e de beneficência, e as responsabilidades dos magistrados derivam, não do ato jurisdicional em si, mas ex delicto, isto é, em razão de crime. [...].

2.3.             As funções essenciais à Justiça

São instituições essenciais à prestação jurisdicional, assim definidas na Constituição, o Ministério Público, as procuradorias administrativas, as Defensorias Públicas e a Advocacia privada.
Ao Ministério Público compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. São seus princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Dispõe de autonomia funcional e administrativa; cria e extingue seus cargos, e os provê mediante concurso público; e elabora proposta orçamentária (CF, art. 227). Na União, o Ministério Público compreende o Ministério Público Federal, o do Trabalho, o Militar e o do Distrito Federal. O da União, assim como o dos Estados, organiza-se conforme lei complementar própria (CF, art. 128). As chefias dos Ministérios Públicos da União e dos Estados competem a procuradores-gerais nomeados para mandato de dois anos, admitida a recondução, os quais só podem ser destituídos com a autorização da maioria absoluta do Senado Federal ou do Poder Legislativo local. O Procurador-Geral da República, antes de nomeado, deve ser sufragado pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal (CF, art. 128, §§ 1º, 2º, 3º e 4º). As principais funções institucionais do Ministério Público são as de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; como também promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição (CF, art. 129, I, II, III, IV). Por analogia com a magistratura, gozam os membros do Ministério Público, como garantia institucional de sua função, e no interesse da coletividade, das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e de irredutibilidade de vencimentos, sendo-lhes igualmente vedado receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; exercer a advocacia, participar de sociedade comercial; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério e, por fim, exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei (CF, art. 128). As procuradorias administrativas, no plano da União, têm por cabeça do sistema a Advocacia-Geral da União, instituição que, diretamente ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, também, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Executivo (CF, art. 131). A chefia da instituição cabe ao Advogado-Geral da União, de livre nomeação e exoneração do Presidente da República, escolhido dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, art. 131). Nos Estados e no Distrito Federal os Procuradores exercem a representação judicial e a consultoria jurídica, e são organizados em carreira (CF, art. 129). A Defensoria Pública é incumbida da orientação jurídica e a defesa, em todos graus, dos necessitados (CF, art. 134). Dentre os direitos e garantias fundamentais está o de qualquer brasileiro à assistência jurídica integral do Estado, desde que prova de insuficiência de recursos (CF, art. 5º). O Advogado ganhou o reconhecimento constitucional, agora formalmente qualificado como indispensável à administração da justiça e tornado inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (CF, art. 133). 

3.          As jurisdições federativas

A estrutura do Poder Judiciário é reflexo da federação. As jurisdições da União e dos Estados refletem a capacidade legislativa e administrativa de cada qual, bem como a natureza dos direitos tutelados e das pessoas políticas e jurídicas encarregadas do seu exercício. A federação é união indissolúvel e pétrea; não pode sequer ser objeto de emenda constitucional (CF, art. 1º e 60, § 4º, I). Suas caraterísticas essenciais mínimas são a constituição escrita, a capacidade constituinte local, a repartição constitucional das competências, uma corte constitucional nacional, a intervenção da União nos Estados, e a destes nos Municípios, e o monopólio da União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional. A Constituição escrita representa o pacto federal, o acordo sobre o papel político, a capacidade jurídica e a responsabilidade social dos entes federados. É a expressão do compromisso da convivência indissolúvel. A capacidade constituinte local é a expressão da autonomia do ente federado, entendida como a capacidade constitucionalmente assegurada de auto-governo, auto-organização e auto-administração, nos termos e limites traçados pela Constituição nacional. A repartição constitucional de competências configura-se como uma série de quatro círculos concêntricos, onde se estabelecem quatro ordens jurídicas, das quais a mais externa é guia-mestre, e as três outras parciais e autônomas, onde aquela mais externa tende a ser mais genérica e, as demais, mais específicas e peculiares. Exemplificativamente, nacional é a competência de emitir moeda ou fixar normas gerais de direito tributário; federal, a de administrar o serviço público da União; estadual, é a competência assinalada na Constituição como própria da autonomia dos Estados; municipal, a de legislar sobre assuntos do peculiar interesse local, suplementando a legislação nacional, federal e estadual. À Corte constitucional compete a harmonia dos direitos emanados das quatro ordens jurídicas federativas e a resolução dos conflitos constitucionais. Tal tarefa é compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. A possibilidade de intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal, e dos Estados nos Municípios, é da essência do sistema federativo. É ato excepcional, de crise federativa, que se expressa juridicamente no procedimento posto na Constituição, exercível unicamente nas hipóteses nela previstas, e justificado em face da indissolubilidade do pacto federativo. Por fim, o monopólio da União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional público. A norma é reflexo do conceito clássico de soberania política, segundo a qual as unidades da federação dispõem de autonomia, ou seja, capacitação jurídico-política de direito interno, ao passo que, no plano jurídico-político externo, apenas o ente dotado de capacidade nacional pode se fazer representar. O modelo federal brasileiro revela mercante supremacia legislativa da União. À quase unicidade da fonte de direito positivo corresponde, todavia, uma diversidade de jurisdição, criada na Constituição mesma, e nela própria tornada pétrea, porquanto qualquer alteração que diminua o espaço estadual consistiria tendência a abolir a forma federativa de estado, o que é vedado expressamente na Constituição (CF, art. 60, § 4º, I). A dicotomia revela-se necessária e lógica, enquanto expressão da autonomia local decorrente da respectiva capacidade constituinte e da repartição constitucional de competência. A competência do Judiciário da União exaure-se, pois, no quanto posto na Constituição. De um lado, o critério é a pessoa titular da tutela do interesse público pertinente (União, entidade autárquica ou empresa pública federal); de outro, a natureza da matéria legal controvertida, ora nacional (eleitoral, trabalho ou militar), ora internacional (relações internacionais com Estados estrangeiros ou organismos internacionais).

4.          Judiciário da União

O Judiciário da União compreende o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Federal Comum, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar. A Justiça Eleitoral é objeto de título em separado.

4.1.             Supremo Tribunal Federal

Historicamente, ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição, vale dizer, do quanto nela posto expressamente e do quanto nela necessariamente derive, conforme a natureza das coisas inerentes ao seu sistema positivo e aos princípios que o informam. Sob a Constituição de 1988, contudo, parte considerável dessa competência fundamental é compartilhada com o Superior Tribunal de Justiça. A competência do Supremo Tribunal Federal compreende quatro categorias. Primeira, a competência política em sentido estrito, isto é, de controle dos atos políticos e administrativos do Executivo e do Legislativo, e das decisões do próprio Judiciário. Aí se incluem processar e julgar originariamente: Primeira, a competência de garantia da federação, mediante o processamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual contestados em face da Constituição Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; e os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça ou Tribunais Superiores e quaisquer outros tribunais dos Estados ou do Distrito Federal (CF, art. 102, I, a, f, o); o julgamento, mediante recurso extraordinário, das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal (CF, art. 102, III, e). Terceira, a competência de proteção dos direitos individuais mediante recurso ordinário em habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; o recurso ordinário em crime político ou quando do julgamento de recurso extraordinário (CF, art. 102, , a, b; III, a, b). Quarta, a competência de relações internacionais quando do processamento e julgamento originários de litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal; da extradição solicitada por Estado estrangeiro; da homologação das sentenças estrangeiras e da concessão do exequatur às cartas rogatórias (CF, art. 102, I, e, g, h). O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 101). O Tribunal reúne-se em sessões plenárias, com participação de todos os juízes, e em sessões de turmas, compostas de cinco membros cada qual. O regimento interno discrimina a competência do plenário e das turmas.

4.2.             Superior Tribunal de Justiça

Ao Superior Tribunal de Justiça cabe a guarda do direito nacional infraconstitucional mediante harmonização da jurisprudência dos tribunais regionais federais e dos tribunais estaduais de segunda instância. Também a competência do Superior Tribunal de Justiça pode ser divida em quatro categorias. Primeira, a competência política em sentido estrito, isto é, de controle dos atos do Executivo e do Legislativo e da eficácia das suas decisões. Aí se incluem o processo e julgamento originários: nos crimes comuns, dos governadores de Estado e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade, dentre outros, os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados, dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios (CF, art. 105, I, a); dos mandados de segurança e dos habeas data contra ato de ministro de Estado ou do próprio Tribunal (CF, art. 105, I, b); do habeas corpus, quando o coator ou o paciente for, dentre outros, governador de Estado, desembargador de Tribunal de Justiça ou membro do Tribunal de Contas do Estado ou Município, ou quando coator ministro de Estado, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF, art. 105, I, c); do mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, com algumas exceções (CF, art. 105, I, h); e o processo e julgamento originários das revisões criminais e das ações rescisórias de seus julgados, e a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 105, e, f). Segunda, a competência de garantia da federação quando: do processo e julgamento originários dos conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art. 105, I, d, g; 105, III). Terceira, a competência de proteção dos direitos individuais, quando do julgamento, em recurso ordinário, dos habeas corpus decididos em única ou última instância, e dos mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, quando a decisão for denegatória, e quando do julgamento dos recursos especiais (CF, art. 105, II, a, b, III). Quarta, a competência de relações internacionais, quando do julgamento, em recurso ordinário, das causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País(CF, art. 105, II, e). O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal (CF, art. 104, § único). A escolha dos membros do Tribunal se faz dentre dois grupos de profissionais (CF, art. 104, § único, I, II). O Tribunal funciona com os seguintes órgãos: Plenário, Corte Especial (CF, art. 93, XI), três Seções temáticas especializadas, cada qual com duas Turmas. O regimento interno discrimina a competência de cada órgão.

4.3.             Justiça Federal Comum

A Justiça Federal comum é composta pelas Varas de Justiça Federal, na primeira instância, e pelos Tribunais Regionais Federais, cuja competência está prevista (CF, art. 109).

4.4.             Justiça do Trabalho
À Justiça do Trabalho compete conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114, 115, 116, 111, § 1º e 117).

4.5.             Justiça Militar
A Justiça Militar tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei (CF, art. 124; CPMilitar, art. 9º e 10º; Lei 8.457/92). Compõe-se de: Juízes-Auditores e Conselhos de Justiça (Especiais ou Permanentes), cujo órgão superior é o Superior Tribunal Militar.

5.          O Judiciário dos Estados e do Distrito Federal
Os Estados, porque entidades autônomas da Federação, organizam sua Justiça, observados os princípios e normas da Constituição e do Estatuto da Magistratura (CF, art. 93 a 100). A competência dos tribunais é atribuída pela Constituição local, e a iniciativa da lei de organização judiciária é do Tribunal de Justiça (CF, art. 125 e § 1º). Integram essa esfera os Juizados Especiais e a Justiça de Paz. 

6.          Dos auxiliares da Justiça
São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias (CPC, art. 149 a 175).

7.          Dos auxiliares do foro extrajudicial
São considerados, ainda, auxiliares da justiça do foro extrajudicial: os distribuidores, os cartórios de protestos de títulos, a Serasa, os tabelionatos de notas, os oficiais do registro civil, os oficiais do registro imobiliário, o Detran, as polícias federais, civis e militares, a guarda municipal, o instituto de criminalística, o instituto de identificação, o instituto médico legal etc.


Professor! Pois não! Podemos encerrar com o que foi dito para nós no início?, acrescentando: “Tu és eternamente responsável por quem cativas.” (O Pequeno Príncipe). Perfeito! Encerremos: “Sigam tranquilamente, entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. Tanto quanto possível sem se humilhar, mantenham boas relações com todas as pessoas. Falem as suas verdades mansa e claramente e ouçam a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes, pois também eles têm sua própria história. Evitem as pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o nosso espírito. Se vocês se compararem com os outros, vocês se tornarão presunçosos e magoados, pois haverá sempre alguém superior e alguém inferior a vocês. [...] Desfrutem das suas realizações, bem como dos seus planos. Mantenham-se interessados em suas carreiras, ainda que humilde, pois ela é um ganho real na fortuna cambiante do tempo. [...] Sejam vocês mesmos. [...] Sejam prudentes e façam de tudo para serem felizes.”. 

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