sábado, 12 de setembro de 2020

A competência linguística e o Direito

 Esmeralda Negrão, Ana Scher e Evani Viotti (em A competência lingüística) escreveram que: "Em algum ponto de nossas vidas de estudante, alguns de nós já nos perguntamos por que, na escola, precisamos fazer a matéria Língua Portuguesa por anos a fio, se já somos falantes altamente proficientes dessa língua quando iniciamos nossos estudos. Fazer inglês ou espanhol é compreensível, porque ainda não sabemos falar essas línguas. Mas, português?!? Para chegarmos a uma resposta, talvez valha a pena explorarmos a comparação, verificando os objetivos de um curso de língua estrangeira e os de Língua Portuguesa. Fazemos um curso de inglês, por exemplo, para aprendermos quais são as palavras que compõem o vocabulário dessa língua e seus respectivos significados, para adquirirmos a pronúncia de cada uma dessas palavras já que o inglês contém sons diferentes dos do português, para nos tornarmos capazes de construir sentenças naquela língua. Enfim, procuramos nos tornar tão proficientes quanto um falante nativo, e, por isso, buscamos o conhecimento da língua. Não são essas as atividades dos cursos de Português em nossas escolas. Neles, além de aprender a codificar e decodificar sua representação gráfica, ou seja, ler e escrever, os alunos aprendem a usar as construções socialmente mais aceitas, tidas como mais elegantes por serem as usadas por escritores consagrados, a construir textos mais bem elaborados, com argumentação coerente, tendo como pano de fundo os ensinamentos prescritivos e analíticos da tradição gramatical escolar. O que se busca nos cursos de Língua Portuguesa é que o aluno use mais adequadamente, e para maior variedade de fins, o conhecimento lingüístico que já possui e que foi adquirido antes mesmo de seu ingresso na escola. [...]". 

Podemos ir além e citar o desfecho  do escrito de José Luiz Fiorin (em Teoria dos signos), para quem: "No primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, há dois relatos da criação. No primeiro, Deus cria o mundo falando. No início, não havia nada. Depois, há o caos. No princípio, criou Deus o céu e a terra. A terra, contudo, estava vazia e vaga e as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas, (I, 1-2). A passagem do caos à ordem (=cosmo) faz-se por meio de um ato de linguagem. É esta que dá sentido ao mundo. O poder criador da divindade é exercido pela linguagem, já que nela e por ela se ordena o mundo. Deus disse: Faça-se a luz. E a luz foi feita. E viu Deus que a luz era boa; e separou a luz e as trevas. Deus chamou a luz dia e as trevas noite; fez-se uma tarde e uma manhã, primeiro dia (I, 3-5). O mito quer mostrar o poder criador da linguagem, que dá ao homem a capacidade de ordenar o mundo, de categorizá-lo. Com os signos, o homem cria universos de sentido. As línguas não são nomenclaturas que se aplicam a uma realidade pré-ordenada, mas são modos de interpretar o mundo. Por isso, estudar a linguagem é a forma de entender a cultura, de compreender o homem em sua marcha sobre a Terra.". 

Pois  bem! Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se  podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista. Em nosso campo -  o do Direito - nada de semelhante ocorre. Bem longe de dizer que o  objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que  cria o objeto.

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