sábado, 23 de janeiro de 2016

A Formação do Direito e da Religião

     Direito e Religião, na origem, são irmãos. Segundo Dennis LLoyd (A Idéia de Lei): "A hipótese de uma primitiva Idade de Ouro também desempenhou, de uma forma ou de outra, um importante papel na história da ideologia ocidental. Dois dos mais conhecidos enunciados dessa hipótese na antiguidade clássica encontram-se nas páginas de Ovídio e Sêneca. No primeiro livro das Metamorfoses, Ovídio refere-se-lhe nestes termos: 'A idade de Ouro nasceu primeiro, a qual, sem repressão, sem leis, praticava espontaneamente a boa-fé e a virtude. Os castigos e o medo eram ignorados; não se liam escritos ameaçadores afixados no bronze; a multidão súplice não tremia diante do seu juiz; um tribunal era inútil para a segurança das gentes, pois não havia causas a dirimir.'. A famosa descrição de Sêneca, como convinha a um filósofo, foi mais circunstancial: 'Em seu estado primitivo, os homens conviviam em paz e felicidade, tendo as coisas em comum; não existia a propriedade privada. Podemos inferir que não podia ter existido escravatura nem governo coercivo. Aí, a ordem era da melhor espécie, pois os homens seguiam a natureza sem desfalecimento, e os homens mais sábios e melhores eram seus guias. Eles orientavam e dirigiam os homens para o seu bem, e eram obedecidos de bom grado pois suas ordens eram sábias e justas... Com o passar do tempo, a inocência primitiva desapareceu; os homens tornaram-se avaros e descontentes com a fruição comum das boas coisas do mundo, desejando retê-las em sua posse particular. A avareza despedaçou a primeira sociedade feliz... e a realeza dos sábios deu lugar à tirania, de modo que os homens tiveram que criar leis que controlassem seus governantes.'". Nesse ponto, a pesquisa de Benjamim Farrington aponta: "Tempos houve em que o ser humano levava uma vida em estado selvagem. Não havia recompensa nem castigo para o mal ou o bem que praticava. Então, os homens imaginaram leis para infligir castigo ao pecador, a fim de, destarte, a justiça poder exercer domínio igual sobre todos e não permitir a violência. Era castigado, quem pecava. Mas, as leis tão-somente atingiam a violência aberta, manifesta, não, porém, os crimes ocultos. Então, alguém, mais inteligente, engendrou o medo dos deuses, para que os homens temessem não apenas as consequências dos seus feitos visíveis, mas, igualmente, das palavras e, até dos pensamentos mais íntimos, mais secretos. Nascera a religião. Este homem, mais inteligente, ensinava que existe um ser sobrenatural, imortal, capaz de perceber tudo quanto é feito, dito ou pensado. A ficção foi recebida com alegria e prazer. A residência dos deuses foi posta no céu de onde provêm as bênçãos e os castigos, tais como chuvas, trovões e relâmpagos. O homem que descobriu este expediente cercou a humanidade com uma atmosfera de medo. Convenceu-os, assim, a aceitar a raça dos deuses." (Diels-Kranz, Fragmente der Vorsokratiker.). O tempo passou e surgiu a ideia de que tanto se fala e escreve - sem que haja certa confusão - de princípio jurídico. E José Afonso da Silva (Teoria do Conhecimento Constitucional, p.629/31), sustenta que: "Toda ciência se fundamenta em princípios. [...] os princípios jurídicos não são criações artificiais [...] os princípios são matérias de fato, no sentido de que não são invenções teóricas. [...] O Direito se constitui de instituições: as instituições jurídicas.Toda instituição - assim também as jurídicas - se organiza em torno de uma ideia. E 'as ideias em torno das quais se configuram as instituições são princípios jurídicos'. Ou seja: 'A instituição se cria como consequência de que existe um valor na comunidade que determina que uns tipos de problemas concretos se resolvem outorgando a solução mais acorde com o mesmo. Isto é, porque existe já um princípio jurídico que exige esta solução'. Diz ele: "A experiência histórica mostra que primeiramente surge a 'representação jurídica', a ideia de uma instituição jurídica; e se essa representação, essa ideia, se amplia, começam os doutrinadores a se preocupar com ela, especulando a seu respeito, ou o próprio legislador a intui e cria regras pertinentes; e assim, legisladores e doutrinadores oferecem as soluções para os diversos problemas que se apresentam - daí o processo dialético, que sobe da realidade em que as regras devem atuar para transformá-la no sentido da realização da convivência humana mais adequada à instituição jurídica em formação e, depois, desce das regras àquela realidade para ajustá-la (torná-la justa) àqueles fins de convivência. Trata-se de um processo que se envolve da realidade normada e normativa, com que vai construindo nova instituição jurídica ou até mesmo novo ramo do Direito. Todo princípio jurídico tem origem no seio da comunidade, como representação jurídica, como sentimento jurídico ou como ideia jurídica, e, pois, como germe de uma instituição jurídica constituída de regras jurídicas desenvolvidas a partir daquele princípio. O surgimento do federalismo é um exemplo expressivo do que se acaba de dizer. Uma ideia que aflorou no momento em que se organizava o Estado norte-americano, não como uma ideia meramente inventada, mas uma ideia que vinha germinando desde longe da relação entre as Colônias inglesas na América e que orientou, primeiro, a formação da Confederação dos Estados Unidos da América do Norte, e que se concretizou por meio de regras jurídicas consubstanciadas na Constituição dos Estados Unidos. As regras constitucionais que plasmaram a Federação Americana foram geradas pelo princípio federalista que germinou no seio da comunidade norte-americana, com certeza, antes mesmo da Independência. Podemos concluir, com Miguel Reale, que toda representação jurídica é dotada de uma força de expansão, tende a se impor à massa dos espíritos, atuando como poderosa ideia-força, na medida de sua correspondência com as aspirações coletivas. Essa ideia-força caracteriza princípio jurídicoque tende a se tornar regra jurídica dentro de um círculo social particular, primeiro, para depois se estender aos círculos periféricos, ou ainda diretamente ao círculo objetivo pela interferência do legislador. O 'ser' puro, que chamamos o 'ser como tal', como summum genus, por ser simples e irredutível, não se define, nem mesmo mediante definição operacional, porque não suscetível de resultado por si. Ele só apresenta resultado por meio de outros seres nos quais está sempre presente; ou seja: o ser como tal está em todas as coisas. Assim também e é, por isso, também indefinível. Como o 'ser como tal', na natureza, o princípio como tal está presente na ciência. Não há natureza sem o 'ser como tal', como não há ciência sem 'princípios como tais'. O princípio jurídico é o ser como tal do Direito. Cada instituição jurídica tem seu próprio princípio como tal. É esse princípio, como visto, que gera as regras jurídicas constitutivas da respectiva instituição jurídica. As regras são produtos dos princípios, assim também no direito constitucional.". Do lado da Religião temos Deus (Princípio Vivo, Inteligente de onde as coisas são geradas). Daí o mandamento: 'Amai a Deus sobre todas as coisas'.Segundo Maria Cristina Mariante Guarnieri, em pesquisa realizada (Angústia e Conhecimento: Uma reflexão a partir dos pensadores religiosos), destaca: "Em religião estamos diante de um objeto que é indescritível. O que é transcendente (Deus) não tem conceito e não pode ser provado. [...] Deus, não é uma ideia a ser provada, mas uma relação que se vive. [...] Viver é escolher e, neste sentido, a existência ultrapassa qualquer saber objetivo, dado que devemos fazer com que a existência seja uma invenção a cada instante, justamente pelo fato de escolhermos a todo instante como viver. 'Só Deus é sapiente, e isso ele quis dizer no seu oráculo: que pouco ou nada vale a sapiência do homem; e, afirmando que Sócrates é sapiente, não quis, creio, referir-se propriamente a mim, Sócrates, mas apenas usar o meu nome como um exemplo; como se tivesse querido dizer o seguinte: 'Ó homens, entre vós é sapientíssimo aquele que, como Sócrates, tenha reconhecido que, na verdade, a sua sapiência não tem nenhum valor" (Apologia a Sócrates). Do que foi observado é possível concluir que o princípio - todo princípio - é real. Não se trata de criação artificial. E é ele que fundamenta todas as coisas em quaisquer domínios do conhecimento.

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