sábado, 12 de setembro de 2020

A competência linguística e o Direito

 Esmeralda Negrão, Ana Scher e Evani Viotti (em A competência lingüística) escreveram que: "Em algum ponto de nossas vidas de estudante, alguns de nós já nos perguntamos por que, na escola, precisamos fazer a matéria Língua Portuguesa por anos a fio, se já somos falantes altamente proficientes dessa língua quando iniciamos nossos estudos. Fazer inglês ou espanhol é compreensível, porque ainda não sabemos falar essas línguas. Mas, português?!? Para chegarmos a uma resposta, talvez valha a pena explorarmos a comparação, verificando os objetivos de um curso de língua estrangeira e os de Língua Portuguesa. Fazemos um curso de inglês, por exemplo, para aprendermos quais são as palavras que compõem o vocabulário dessa língua e seus respectivos significados, para adquirirmos a pronúncia de cada uma dessas palavras já que o inglês contém sons diferentes dos do português, para nos tornarmos capazes de construir sentenças naquela língua. Enfim, procuramos nos tornar tão proficientes quanto um falante nativo, e, por isso, buscamos o conhecimento da língua. Não são essas as atividades dos cursos de Português em nossas escolas. Neles, além de aprender a codificar e decodificar sua representação gráfica, ou seja, ler e escrever, os alunos aprendem a usar as construções socialmente mais aceitas, tidas como mais elegantes por serem as usadas por escritores consagrados, a construir textos mais bem elaborados, com argumentação coerente, tendo como pano de fundo os ensinamentos prescritivos e analíticos da tradição gramatical escolar. O que se busca nos cursos de Língua Portuguesa é que o aluno use mais adequadamente, e para maior variedade de fins, o conhecimento lingüístico que já possui e que foi adquirido antes mesmo de seu ingresso na escola. [...]". 

Podemos ir além e citar o desfecho  do escrito de José Luiz Fiorin (em Teoria dos signos), para quem: "No primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, há dois relatos da criação. No primeiro, Deus cria o mundo falando. No início, não havia nada. Depois, há o caos. No princípio, criou Deus o céu e a terra. A terra, contudo, estava vazia e vaga e as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas, (I, 1-2). A passagem do caos à ordem (=cosmo) faz-se por meio de um ato de linguagem. É esta que dá sentido ao mundo. O poder criador da divindade é exercido pela linguagem, já que nela e por ela se ordena o mundo. Deus disse: Faça-se a luz. E a luz foi feita. E viu Deus que a luz era boa; e separou a luz e as trevas. Deus chamou a luz dia e as trevas noite; fez-se uma tarde e uma manhã, primeiro dia (I, 3-5). O mito quer mostrar o poder criador da linguagem, que dá ao homem a capacidade de ordenar o mundo, de categorizá-lo. Com os signos, o homem cria universos de sentido. As línguas não são nomenclaturas que se aplicam a uma realidade pré-ordenada, mas são modos de interpretar o mundo. Por isso, estudar a linguagem é a forma de entender a cultura, de compreender o homem em sua marcha sobre a Terra.". 

Pois  bem! Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se  podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista. Em nosso campo -  o do Direito - nada de semelhante ocorre. Bem longe de dizer que o  objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que  cria o objeto.

sábado, 9 de novembro de 2019

Faculdade de Direito Estácio de Curitiba - IED - 2019.2 - AULA 10

ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO (Compreender o conceito de tutela jurisdicional e jurisdição. Conhecer a estrutura e a infraestrutura, bem como o funcionamento do Poder Judiciário Nacional – as funções essenciais à Justiça e as formas alternativas de solução de conflitos).

Um professor a espera de seus alunos: “Se tu vens às quatro da tarde, as três eu já começo a ser feliz.” (O Pequeno Príncipe).

Segundo Torquato Jardim: “Os compêndios didáticos limitam-se ao estudo de um único ramo do Direito. Pecam, dentre outras razões, por não darem a quem se inicia no estudo do Direito a visão sistemática da estrutura constitucional do Poder Judiciário; de como as jurisdições especializadas, diversificadas nos planos da Federação e das matérias, se amoldam numa ordem harmônica e lógica, submetida a princípios formais e materiais comuns, os quais servem de amálgama àquela estrutura constitucional. [...].

Da premissa clássica de que a ninguém é dado fazer justiça por suas próprias mãos, pois daí resultaria desordem social, segue o surgimento e a consolidação milenar de uma autoridade imparcial encarregada de dar solução pacífica, de cunho legal, aos litígios e controvérsias surgidos da convivência social e da realização dos negócios, e de forma isenta quanto aos conflitos políticos e religiosos.

1.1.             O Judiciário como poder político

O Judiciário, enquanto poder político, é concepção recente e ainda não universal. Na França, berço da teoria da separação dos poderes, a função jurisdicional não se constitui em poder político. O Conselho Constitucional, ainda quando convocado pelo Presidente da República ou pelas casas legislativas nacionais a controlar a constitucionalidade das leis e dos tratados, antes da sua promulgação, não é órgão de poder judiciário; não tem poder para anular atos do Legislativo ou do Executivo após a promulgação da lei ou tratado.

No sistema constitucional pátrio, o Judiciário é um dos Poderes da União, independente e harmônico em face do Legislativo e do Executivo (CF, art. 2º). É ele traço inseparável da proposta central da Constituição de se constituir o Brasil em estado democrático de direito (CF, art. 1º). 

O estado democrático de direito reveste, minimamente, três qualidades. Primeira, que os representantes eleitos atuem mediante processo legislativo público e contraditório, de modo que as restrições de liberdade e os ônus de propriedade ou de direitos sejam consentidos pelos que, maioria ou minoria, os tenham que suportar. Segunda, a vinculação do Governo ao quanto posto nas leis, sob controle dos legisladores e da sociedade civil organizada, e a fiscalização jurisdicional dos tribunais. Terceira, a independência irrestrita e a irrecorribilidade das decisões dos órgãos judiciais, aos quais terá acesso imediato qualquer do povo, sempre que se considere ameaçado ou lesado no seu direito, individual ou coletivo, para exigir, de qualquer autoridade pública, política ou administrativa, ou quem faça as vezes de, obediência à lei, inclusive para obter ressarcimento patrimonial.

1.2.             A legitimidade democrática do Judiciário

Tema recorrente é o da legitimidade do Poder Judiciário. O princípio fundamental é a representatividade política adquirida mediante eleições periódicas, para mandatos por tempo certo, ainda que renováveis. A perpetuidade do exercício do cargo político é anátema da democracia: por isso mesmo, nas monarquias constitucionais, todas parlamentaristas, o rei reina mas não governa. Destarte, os mandatários políticos do Executivo e do Legislativo são eleitos, no sistema brasileiro, pelo voto direito. Não assim, todavia, os juízes.

Na primeira instância, o acesso se dá mediante concurso público; na segunda instância, mediante promoção na carreira ou por escolha corporativista combinada com juízo político. Nos tribunais superiores a escolha se dá mediante juízo político do Presidente da República e do Senado Federal ou do Presidente da República e do Supremo Tribunal Federal; ou mediante promoção na carreira ou escolha classista combinado com juízo político do Presidente da República e do Senado Federal. À exceção dos juízes eleitorais, que podem exercer a função no máximo por dois biênios consecutivos, os demais gozam dos predicamentos da vitaliciedade, inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos.

A justificativa do Judiciário como poder político de mandato não eletivo está na natureza intrínseca de sua própria destinação constitucional. Não tem o Judiciário fins autônomos; primeiro, porque julgador isento e imparcial dos interesses de terceiros em conflito; segundo, porque vinculado à Constituição e às leis que dela legítima e validamente derivem; e, terceiro, porque sua função só é exercida mediante provocação, e não por iniciativa própria. Não lhe cabe decisão de política pública (policy). Está vinculado ao conteúdo do quanto disponha o Legislativo. A lei, para o Judiciário, não é apenas limite, como o é para o Executivo, mas objeto único e exclusivo que lhe cabe tutelar e aplicar. Não lhe compete agregar à lei sua vontade pessoal; esta há de ser tradução da vontade da lei (GERALDO ATALIBA).

O Executivo e o Legislativo eleitos pelo voto direito conferem, por derivação ou transferência, uma legitimação democrática ao Judiciário nomeado. Daí a razão de submeter o Presidente da República, ao crivo político do Senado Federal, a escolha dos membros dos tribunais superiores (exceto os Tribunal Superior Eleitoral), para aprovação prévia, por voto secreto, após arguição pública. Isto porque a esses magistrados compete, mais do que a justiça distributiva do caso concreto, a visão política do tratamento judicial das grandes questões sociais. A arguição pública é inovação da CF de 1988. Segue o modelo do Senado dos Estados Unidos, no qual a ordem dos advogados e entidades da sociedade civil apoiam ou contestam as indicações do Presidente da República, diretamente, mediante depoimento, ou por intermédio de um senador. O escrutínio severo condiciona, assim, a escolha do Executivo; tornando mais criteriosa a seleção dos magistrados. No Senado americano, de cada quatro indicações para a Suprema Corte, uma é rejeitada, ou o candidato desiste da indicação.

1.3.             A autonomia administrativa e financeira

Ao Poder Judiciário é assegurada a autonomia administrativa e financeira. Os tribunais elaboram suas propostas de orçamento conforme os parâmetros da lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 99, § 1º). Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, aí compreendidos os créditos suplementares e especiais, ser-lhe-ão entregues até o dia 20 de cada mês (CF, art. 168). Nos termos do Estatuto da Magistratura, lei complementar de inciativa do Supremo Tribunal Federal, e do quanto posto na Constituição (CF, art. 93 e 96), os tribunais conduzem sua própria administração. Assim, elegem seus órgãos diretivos; elaboram seus regimentos internos, observadas as normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionados e administrativos (os estados têm, ainda, códigos de organização judiciária para esse fim); propõem a criação de novas varas judiciárias. Provém, ainda, os cargos de juiz de carreira e os necessários à administração da justiça (CF, art. 96). O Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça têm exclusividade de iniciativa de lei que crie ou extinga tribunais inferiores ou cargos de juízes, ou que altere o número de membros de tribunais inferiores ou a organização e divisão judiciárias, ou que fixe vencimentos de seus membros, dos juízes, dos serviços auxiliares e os dos juízes que lhes forem vinculados (CF, art. 96, II). A fixação do número de juízes dos tribunais pela Constituição, ou nela mesma se dispor que tal alteração só se dê por iniciativa exclusiva do próprio Judiciário. Evita-se, destarte, que, “por interesses ocasionais de partidos, ou para satisfação de ambições açodadas, ou prêmios a ministros de Estado que vão deixar os cargos, ou mediocridades palacianas, se eleve, ou, para obtenção de votos ou de maiorias seguras, se diminua (o número de juízes)” (PONTES DE MIRANDA).

2.          A função constitucional

A função constitucional do Poder Judiciário, no âmbito do estado democrático de direito, consiste em dizer o direito, aplicando  contenciosamente a lei a casos particulares, para assegurar a soberania da justiça e a realização dos direitos individuais nas relações sociais. É sua a tutela, a manutenção e a efetivação do ordenamento jurídico. Daí se impor a equidistância isenta da função jurisdicional, exercida por quem não é parte nas relações e nas situações concretas do processo. Contrasta-se com a função executiva, na qual a autoridade é parte interessada e comprometida nas relações e situações presentes sobre que delibere. Por isso mesmo a distinção entre a função jurisdicional, como tutela objetiva e isenta do ordenamento jurídico, e a função executiva, enquanto atividade comprometida e dirigida à satisfação de seus próprios interesses. O Executivo persegue interesses estatais dos quais ele próprio é órgão, e que não coincidem com aqueles protegidos pela lei, a qual é limite e não objeto da atividade executiva (SANTI ROMANO). Diferencia a função jurisdicional da função legislativa o fato de ocupar-se a primeira com as relações concretas, e a segunda com a generalidade abstrata. Assim o é porque a tradição cultural do direito democrático, da igualdade jurídica de cidadãos iguais, exige, como condição de validade legal e legitimidade política da lei, o ser ela geral e abstrata, isto é, ser provável sua incidência sucessiva e despersonalizada.

2.1.             O controle da moralidade e da constitucionalidade

A par do papel milenar de dizer o direito para resolução dos conflitos privados, o Judiciário, no estado democrático de direito contemporâneo, investiu-se de responsabilidade política. Embora mediante técnica jurídica, e tendo por premissa texto legal, da função jurisdicional, enquanto expressão de um poder político, decorreu o controle do próprio Estado, mediante verificação da compatibilidade da lei ou ato executivo ou legislativo com a Constituição. Essa responsabilidade, acolhida expressamente em Constituições mais recentes, torna o Poder Judiciário árbitro e fiscal engajado do juízo político ou administrativo de oportunidade ou conveniência das leis ou atos que pretendam dar consecução ao interesse público. A atual Constituição brasileira, ao dispor sobre a Administração Pública, adota essa nova postura, ao fazer da moralidade norma de direito positivo. Assim, torna-se, agora, obrigatório para o Juiz, o exame da oportunidade ou da conveniência do ato executivo, e não apenas a verificação da legalidade formal extrínseca dos meios de que se utilize o Estado para promoção de seus interesses (CF, art. 37). 

O controle da constitucionalidade das leis ou atos normativos pelo Poder Judiciário (“chave de nosso regime constitucional, seu princípio supremo” – RUY) se dá pelo método concentrado ou pelo método difuso. O método concentrado é exclusivo do Supremo Tribunal Federal, quando em questão a Constituição Federal; nos Estados, quando em consideração as constituições estaduais, o Tribunal designado pela Constituição estadual. É exercido mediante procedimento no qual inexistem partes; por conseguinte, a decisão é tomada em abstrato, razão por que tem a opinião da Corte efeito vinculante geral (erga omnes), independentemente de manifestação do Poder Legislativo. Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Ao Tribunal designado pela Constituição estatual compete processar e julgar a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da própria Constituição estadual (CF, art. 125, § 2º). O método difuso é o recurso de todos os órgãos judiciários, vale dizer, de qualquer juiz ou instância para, incidentalmente, no curso de qualquer processo, afastar a incidência de lei ou ato que julgue contrário à Constituição para, a seguir, decidir o caso concreto que tenha diante de si. A decisão, assim tomada no processo ordinário, tem força vinculante apenas para as partes que nele litiguem. O que faz o juiz “é simplesmente estatuir que, numa questão dada, o indivíduo A tem, ou não, direito à sentença que demanda contra X; conquanto, no decidir da lide, tenha que declarar que certo e determinado ato legislativo não pode receber aplicação por exceder as faculdades constitucionais do Congresso” (DICEY apud RUY). Por conseguinte, o julgado só é exequível entre as partes, “dependendo os casos análogos, enquanto o ato (inconstitucional) não for revogado pelo poder respectivo, de novas ações, processadas cada uma nos termos normais” (RUY). [...] Ainda RUY: “o freio dos tribunais consiste na faculdade que lhes pertence o executivo dentro de sua autoridade, recusando sanção jurídica a qualquer ato a que ele fora dela se aventure.”.

2.2.             Condições para o exercício da função jurisdicional

Quatro condições são essenciais para o exercício da função jurisdicional. Primeiro, é um poder essencialmente vinculado no seu conteúdo; não tem ele fins autônomos, diversos dos propostos pelo Poder Legislativo. Assim, a lei não é apenas limite, como ocorre com o Executivo, mas é, no que concerne à sua aplicação e efetivação, o único e exclusivo objeto para o qual aquele poder deve ser exercido. O poder de aplicar a lei, por conseguinte, compreende e pressupõe aquele de interpretá-la. A interpretação, todavia, não é atividade discricionária, nem exaure a função jurisdicional, ainda que a aplicação e a efetivação possam ter esse caráter, quando a própria lei atribua tal faculdade à autoridade jurisdicional. Segundo, é poder também vinculado no seu exercício, pois não é faculdade, mas obrigação, enquanto agente o juiz da concretização do direito fundamental do cidadão à proteção jurídica do Estado (CF, art. 5º, LXXIV): “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”). Por isso mesmo, e porque não pode excusar-se à prestação jurisdicional, o juiz, quando a lei for omissa, decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, atento aos fins sociais e às exigências do bem comum (LInDB). Terceiro, seu exercício não é espontâneo, mas deve ser provocado, e isto porque o titular do poder jurisdicional, ao contrário do administrador ou do legislador, não representa interesse específico próprio. A função do juiz é passiva e eventual, e sua decisão vinculada ao que perante ele se alegue e se prove, independentemente de sua impressão pessoal; sua sentença ó é exequível em relação aos que figurarem no processo. Não lhe cabe poder de iniciativa, há de esperar pelo pedido voluntário dos litigantes; por natureza é sem ação, há de ser posto em movimento pela iniciativa individual (WILSON e TOCQUEVILLE apud RUY). Quarto, a autoridade da coisa julgada. As decisões definitivas do Judiciário têm autoridade de coisa julgada, e se impõe à própria lei, que não pode prejudica-la (CF, art. 5º, XXXVI). Impor-se à lei significa impor-se ao direito; devem-lhe obediência não só as partes do litígio concreto, mas também terceiros a ele estranhos, bem como o Estado, por qualquer de seus poderes. Coisa julgada, nessa perspectiva da relação política dos poderes, é mais do que a noção processual de decisão judicial de que já não caiba recurso (LInDB). Consiste nas relações constitucionais de poderes independentes e harmônicos entre si, na irrecorribilidade política da palavra judicial. Os eventuais excessos, no que configurem crime, serão como tais processados, e os erros porventura cometidos poderão ser compensados pelo Estado. A decisão judicial em si restará intocada; seus efeitos é que poderão ser corrigidos ou compensados em razão do excesso ou erro. Os atos jurisdicionais, por isso mesmo, ainda quando contrários à lei, diversamente dos atos executivos, não dão lugar a responsabilidade nem do Estado, nem dos magistrados. A reparação que algumas vezes o Estado efetua em alguns casos de erro judiciário (CF, art. 5º, LXXV: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que for preso além do tempo fixado na sentença”), tem caráter de prestação de socorro e de beneficência, e as responsabilidades dos magistrados derivam, não do ato jurisdicional em si, mas ex delicto, isto é, em razão de crime. [...].

2.3.             As funções essenciais à Justiça

São instituições essenciais à prestação jurisdicional, assim definidas na Constituição, o Ministério Público, as procuradorias administrativas, as Defensorias Públicas e a Advocacia privada.
Ao Ministério Público compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. São seus princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Dispõe de autonomia funcional e administrativa; cria e extingue seus cargos, e os provê mediante concurso público; e elabora proposta orçamentária (CF, art. 227). Na União, o Ministério Público compreende o Ministério Público Federal, o do Trabalho, o Militar e o do Distrito Federal. O da União, assim como o dos Estados, organiza-se conforme lei complementar própria (CF, art. 128). As chefias dos Ministérios Públicos da União e dos Estados competem a procuradores-gerais nomeados para mandato de dois anos, admitida a recondução, os quais só podem ser destituídos com a autorização da maioria absoluta do Senado Federal ou do Poder Legislativo local. O Procurador-Geral da República, antes de nomeado, deve ser sufragado pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal (CF, art. 128, §§ 1º, 2º, 3º e 4º). As principais funções institucionais do Ministério Público são as de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; como também promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição (CF, art. 129, I, II, III, IV). Por analogia com a magistratura, gozam os membros do Ministério Público, como garantia institucional de sua função, e no interesse da coletividade, das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e de irredutibilidade de vencimentos, sendo-lhes igualmente vedado receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; exercer a advocacia, participar de sociedade comercial; exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério e, por fim, exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei (CF, art. 128). As procuradorias administrativas, no plano da União, têm por cabeça do sistema a Advocacia-Geral da União, instituição que, diretamente ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, também, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Executivo (CF, art. 131). A chefia da instituição cabe ao Advogado-Geral da União, de livre nomeação e exoneração do Presidente da República, escolhido dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, art. 131). Nos Estados e no Distrito Federal os Procuradores exercem a representação judicial e a consultoria jurídica, e são organizados em carreira (CF, art. 129). A Defensoria Pública é incumbida da orientação jurídica e a defesa, em todos graus, dos necessitados (CF, art. 134). Dentre os direitos e garantias fundamentais está o de qualquer brasileiro à assistência jurídica integral do Estado, desde que prova de insuficiência de recursos (CF, art. 5º). O Advogado ganhou o reconhecimento constitucional, agora formalmente qualificado como indispensável à administração da justiça e tornado inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (CF, art. 133). 

3.          As jurisdições federativas

A estrutura do Poder Judiciário é reflexo da federação. As jurisdições da União e dos Estados refletem a capacidade legislativa e administrativa de cada qual, bem como a natureza dos direitos tutelados e das pessoas políticas e jurídicas encarregadas do seu exercício. A federação é união indissolúvel e pétrea; não pode sequer ser objeto de emenda constitucional (CF, art. 1º e 60, § 4º, I). Suas caraterísticas essenciais mínimas são a constituição escrita, a capacidade constituinte local, a repartição constitucional das competências, uma corte constitucional nacional, a intervenção da União nos Estados, e a destes nos Municípios, e o monopólio da União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional. A Constituição escrita representa o pacto federal, o acordo sobre o papel político, a capacidade jurídica e a responsabilidade social dos entes federados. É a expressão do compromisso da convivência indissolúvel. A capacidade constituinte local é a expressão da autonomia do ente federado, entendida como a capacidade constitucionalmente assegurada de auto-governo, auto-organização e auto-administração, nos termos e limites traçados pela Constituição nacional. A repartição constitucional de competências configura-se como uma série de quatro círculos concêntricos, onde se estabelecem quatro ordens jurídicas, das quais a mais externa é guia-mestre, e as três outras parciais e autônomas, onde aquela mais externa tende a ser mais genérica e, as demais, mais específicas e peculiares. Exemplificativamente, nacional é a competência de emitir moeda ou fixar normas gerais de direito tributário; federal, a de administrar o serviço público da União; estadual, é a competência assinalada na Constituição como própria da autonomia dos Estados; municipal, a de legislar sobre assuntos do peculiar interesse local, suplementando a legislação nacional, federal e estadual. À Corte constitucional compete a harmonia dos direitos emanados das quatro ordens jurídicas federativas e a resolução dos conflitos constitucionais. Tal tarefa é compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. A possibilidade de intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal, e dos Estados nos Municípios, é da essência do sistema federativo. É ato excepcional, de crise federativa, que se expressa juridicamente no procedimento posto na Constituição, exercível unicamente nas hipóteses nela previstas, e justificado em face da indissolubilidade do pacto federativo. Por fim, o monopólio da União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional público. A norma é reflexo do conceito clássico de soberania política, segundo a qual as unidades da federação dispõem de autonomia, ou seja, capacitação jurídico-política de direito interno, ao passo que, no plano jurídico-político externo, apenas o ente dotado de capacidade nacional pode se fazer representar. O modelo federal brasileiro revela mercante supremacia legislativa da União. À quase unicidade da fonte de direito positivo corresponde, todavia, uma diversidade de jurisdição, criada na Constituição mesma, e nela própria tornada pétrea, porquanto qualquer alteração que diminua o espaço estadual consistiria tendência a abolir a forma federativa de estado, o que é vedado expressamente na Constituição (CF, art. 60, § 4º, I). A dicotomia revela-se necessária e lógica, enquanto expressão da autonomia local decorrente da respectiva capacidade constituinte e da repartição constitucional de competência. A competência do Judiciário da União exaure-se, pois, no quanto posto na Constituição. De um lado, o critério é a pessoa titular da tutela do interesse público pertinente (União, entidade autárquica ou empresa pública federal); de outro, a natureza da matéria legal controvertida, ora nacional (eleitoral, trabalho ou militar), ora internacional (relações internacionais com Estados estrangeiros ou organismos internacionais).

4.          Judiciário da União

O Judiciário da União compreende o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Federal Comum, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar. A Justiça Eleitoral é objeto de título em separado.

4.1.             Supremo Tribunal Federal

Historicamente, ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição, vale dizer, do quanto nela posto expressamente e do quanto nela necessariamente derive, conforme a natureza das coisas inerentes ao seu sistema positivo e aos princípios que o informam. Sob a Constituição de 1988, contudo, parte considerável dessa competência fundamental é compartilhada com o Superior Tribunal de Justiça. A competência do Supremo Tribunal Federal compreende quatro categorias. Primeira, a competência política em sentido estrito, isto é, de controle dos atos políticos e administrativos do Executivo e do Legislativo, e das decisões do próprio Judiciário. Aí se incluem processar e julgar originariamente: Primeira, a competência de garantia da federação, mediante o processamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual contestados em face da Constituição Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; e os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça ou Tribunais Superiores e quaisquer outros tribunais dos Estados ou do Distrito Federal (CF, art. 102, I, a, f, o); o julgamento, mediante recurso extraordinário, das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal (CF, art. 102, III, e). Terceira, a competência de proteção dos direitos individuais mediante recurso ordinário em habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; o recurso ordinário em crime político ou quando do julgamento de recurso extraordinário (CF, art. 102, , a, b; III, a, b). Quarta, a competência de relações internacionais quando do processamento e julgamento originários de litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal; da extradição solicitada por Estado estrangeiro; da homologação das sentenças estrangeiras e da concessão do exequatur às cartas rogatórias (CF, art. 102, I, e, g, h). O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 101). O Tribunal reúne-se em sessões plenárias, com participação de todos os juízes, e em sessões de turmas, compostas de cinco membros cada qual. O regimento interno discrimina a competência do plenário e das turmas.

4.2.             Superior Tribunal de Justiça

Ao Superior Tribunal de Justiça cabe a guarda do direito nacional infraconstitucional mediante harmonização da jurisprudência dos tribunais regionais federais e dos tribunais estaduais de segunda instância. Também a competência do Superior Tribunal de Justiça pode ser divida em quatro categorias. Primeira, a competência política em sentido estrito, isto é, de controle dos atos do Executivo e do Legislativo e da eficácia das suas decisões. Aí se incluem o processo e julgamento originários: nos crimes comuns, dos governadores de Estado e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade, dentre outros, os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados, dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios (CF, art. 105, I, a); dos mandados de segurança e dos habeas data contra ato de ministro de Estado ou do próprio Tribunal (CF, art. 105, I, b); do habeas corpus, quando o coator ou o paciente for, dentre outros, governador de Estado, desembargador de Tribunal de Justiça ou membro do Tribunal de Contas do Estado ou Município, ou quando coator ministro de Estado, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF, art. 105, I, c); do mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, com algumas exceções (CF, art. 105, I, h); e o processo e julgamento originários das revisões criminais e das ações rescisórias de seus julgados, e a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 105, e, f). Segunda, a competência de garantia da federação quando: do processo e julgamento originários dos conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art. 105, I, d, g; 105, III). Terceira, a competência de proteção dos direitos individuais, quando do julgamento, em recurso ordinário, dos habeas corpus decididos em única ou última instância, e dos mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, quando a decisão for denegatória, e quando do julgamento dos recursos especiais (CF, art. 105, II, a, b, III). Quarta, a competência de relações internacionais, quando do julgamento, em recurso ordinário, das causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País(CF, art. 105, II, e). O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal (CF, art. 104, § único). A escolha dos membros do Tribunal se faz dentre dois grupos de profissionais (CF, art. 104, § único, I, II). O Tribunal funciona com os seguintes órgãos: Plenário, Corte Especial (CF, art. 93, XI), três Seções temáticas especializadas, cada qual com duas Turmas. O regimento interno discrimina a competência de cada órgão.

4.3.             Justiça Federal Comum

A Justiça Federal comum é composta pelas Varas de Justiça Federal, na primeira instância, e pelos Tribunais Regionais Federais, cuja competência está prevista (CF, art. 109).

4.4.             Justiça do Trabalho
À Justiça do Trabalho compete conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114, 115, 116, 111, § 1º e 117).

4.5.             Justiça Militar
A Justiça Militar tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei (CF, art. 124; CPMilitar, art. 9º e 10º; Lei 8.457/92). Compõe-se de: Juízes-Auditores e Conselhos de Justiça (Especiais ou Permanentes), cujo órgão superior é o Superior Tribunal Militar.

5.          O Judiciário dos Estados e do Distrito Federal
Os Estados, porque entidades autônomas da Federação, organizam sua Justiça, observados os princípios e normas da Constituição e do Estatuto da Magistratura (CF, art. 93 a 100). A competência dos tribunais é atribuída pela Constituição local, e a iniciativa da lei de organização judiciária é do Tribunal de Justiça (CF, art. 125 e § 1º). Integram essa esfera os Juizados Especiais e a Justiça de Paz. 

6.          Dos auxiliares da Justiça
São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias (CPC, art. 149 a 175).

7.          Dos auxiliares do foro extrajudicial
São considerados, ainda, auxiliares da justiça do foro extrajudicial: os distribuidores, os cartórios de protestos de títulos, a Serasa, os tabelionatos de notas, os oficiais do registro civil, os oficiais do registro imobiliário, o Detran, as polícias federais, civis e militares, a guarda municipal, o instituto de criminalística, o instituto de identificação, o instituto médico legal etc.


Professor! Pois não! Podemos encerrar com o que foi dito para nós no início?, acrescentando: “Tu és eternamente responsável por quem cativas.” (O Pequeno Príncipe). Perfeito! Encerremos: “Sigam tranquilamente, entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. Tanto quanto possível sem se humilhar, mantenham boas relações com todas as pessoas. Falem as suas verdades mansa e claramente e ouçam a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes, pois também eles têm sua própria história. Evitem as pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o nosso espírito. Se vocês se compararem com os outros, vocês se tornarão presunçosos e magoados, pois haverá sempre alguém superior e alguém inferior a vocês. [...] Desfrutem das suas realizações, bem como dos seus planos. Mantenham-se interessados em suas carreiras, ainda que humilde, pois ela é um ganho real na fortuna cambiante do tempo. [...] Sejam vocês mesmos. [...] Sejam prudentes e façam de tudo para serem felizes.”. 

domingo, 3 de novembro de 2019

FACULDADE DE DIREITO ESTÁCIO DE CURITIBA - IED - 2019.2 - AULA 9

HERMENÊUTICA JURÍDICA

Um dos aspectos mais importantes da teoria geral do direito versa a respeito da hermenêutica jurídica. Trata-se do vasto campo do conhecimento jurídico que se refere à interpretação das normas, à compreensão, tendo em vista a aplicação aos problemas concretos apresentados ao jurista. Muitas discussões e possibilidades teóricas distintas envolvem a questão da hermenêutica. Elas implicam o próprio modo pelo qual irá se compreender e construir o fenômeno jurídico. 

1. Hermenêutica Jurídica e história

A palavra hermenêutica remete à mitologia grega. O deus grego Hermes tinha a habilidade de conversar tanto com os deuses quanto com os mortais. Por isso, servia de comunicação entre ambos. Desse mito decorre que a interpretação seja chamada por hermenêutica.

2. Interpretação autêntica e doutrinária

A interpretação autêntica, para Kelsen, é aquela que é feita por meio da autoridade juridicamente competente para aplicar a norma jurídica. O juiz de direito, no momento em que prolata a sentença, está impondo uma interpretação das normas que deverá ser cumprida pelas partes. Já a interpretação doutrinária, para Kelsen, é toda aquela que é feita por pessoas e órgãos que não sejam autoridades competentes. Um professor de direito, quando relata a respeito de uma norma jurídica numa sala de aula de faculdade de direito, faz uma interpretação doutrinária.

3. Hermenêutica jurídica e poder

Até mesmo a teoria de Kelsen, quando trata a respeito da interpretação, expõe o problema da hermenêutica jurídica: ela é um procedimento de poder. O jurista não se desconecta de sua situação existencial. Depara-se o jurista com casos, e, em cada qual desses casos, ele tem um lado e uma específica perspectiva de seu afazer jurídico. Seja advogado ou promotor, ele está em defesa ou acusação de uma parte. E ainda que seja juiz, ou então doutrinador, afastado a princípio do problema, ele é alguém que tem convicções, experiências, ideologia, compromissos políticos, econômicos, culturais, religiosos, de classe social. Daí que o jurista nunca analisa a norma a partir do nada. Ele lê a norma de acordo com sua própria visão de mundo.

Os mais importantes filósofos da hermenêutica do século XX encaminham a questão da interpretação a partir do reconhecimento da situação existencial do intérprete. Nas palavras de Heidegger e principalmente de Gadamer, toda interpretação é uma pré-compreensão. Para eles, compreender é um apreender-com, ou seja, é uma tomada de entendimento a partir de uma determinada situação, construída socialmente. 

Assim sendo, interpretar não é observar com olhar externo o texto da norma e sim dar concretude a ela. A hermenêutica jurídica não é uma especulação isolada. Ela sempre está orientada para os fins da aplicação do direito. 

4. Hermenêutica jurídica e linguagem

Logo de início, os aspectos sintáticos da norma jurídica ressaltam ao seu intérprete. O jurista estabelece uma linguagem própria, e, a partir dela, de seus referenciais, de seus signos e significados, desenvolve-se o procedimento de criação de normas e também de sua compreensão, seja ela científica ou aplicadora. O jurista se depara, ao lado de toda a semiótica geral do poder - os símbolos visuais, o poder efetivo e bruto da violência física, do monopólio dessa violência institucionalizada - também com a semiótica do texto. A norma jurídica não se confunde com o texto que é sua expressão. A norma jurídica é maior que o texto. Por isso, uma teoria da hermenêutica normativa deve tratar da linguagem, claro que não deve se restringir a ela, porque, embora um elemento fundamental e preponderante nas sociedades capitalistas, as palavras da norma não exprimem a totalidade da própria norma.

5. Métodos de hermenêutica Jurídica

No que respeito aos métodos hermenêuticos, a teoria geral do direito costuma dividi-los em três categorias. No primeiro dos métodos, o mais primário, estão as ferramentas da interpretação gramatical, da interpretação lógica e da interpretação sistemática. A gramatical é aquela compreensão que o jurista realiza a partir da própria língua, de sua estrutura sintática, do conjunto de suas palavras, dos verbos que exprimem condutas. A lógica procede de acordo com as ferramentas lógicas que clarificam o sentido e a compreensão do texto com auxílio dos princípios lógicos: de identidade e do terceiro excluído. Por exemplo, quando uma norma versa sobre o pagamento do Imposto de Renda, não está tratando sobre o ICMS. A sistemática é aquela que se faz tendo por base a compreensão da norma no contexto do ordenamento ou do sistema jurídico. Trata-se de interpretar a norma relacionando-a com as outras normas do ordenamento, comparando-a com os princípios do sistema, descobrindo eventuais ambiguidades, a validade, a vigência ou o perecimento ou extinção da norma.
Já em outro nível hermenêutico a interpretação deve sair do texto da norma e chegar ao seu contexto. Pertencem, aqui,  a esse método hermenêutico, de exigências maiores. Primeiro, a interpretação histórica que é aquela que busca fixar as circunstâncias que, em determinado tempo histórico, levaram à formação da norma jurídica. Segundo, vem a interpretação sociológica, a qual vai buscar, na sociedade, as causas que deram base à formação da norma. Exemplos: os conflitos sociais, as lutas de classe, as contradições, os interesses em jogo, a cultura, pressões políticas, econômicas, religiosas etc. A interpretação evolutiva é aquela que valendo-se da própria história e da sociologia compreenderá mudanças, correções de sentido, novos entendimentos ou rupturas no que tange à hermenêutica da norma jurídica. Terceiro, a interpretação teleológica que é aquela que busca nas normas e nas situações jurídicas, a compreensão de seus propósitos, finalidades, objetivos visados. 

6. Tipos de hermenêutica jurídica

Os métodos de hermenêutica jurídica são ferramentas para a fixação do entendimento do jurista. Por aí ele constrói o sentido da norma jurídica. Tais métodos, em geral, acabam por restringir, por ampliar ou por simplesmente fixar melhor os termos de sua compreensão. No que diz respeito a essa dimensão da interpretação, tendo em vista os seus resultados, costuma-se falar de tipos de hermenêutica jurídica. Tradicionalmente, o jurista trata, nesse campo, da interpretação especificadora, da interpretação restritiva e da interpretação extensiva. A interpretação especificadora é aquela que fixa os limites de um determinado conceito jurídico, sem pretender estendê-lo para outras circunstâncias nem sequer reduzi-lo oara menos do que se apresenta. No direito penal, quando se trabalha com a ideia de tipo penal, está a fazer, em geral, uma hermenêutica de tipo especificador. No caso de interpretação restritiva, o jurista procede a uma hermenêutica das normas jurídicas que delimita a sua compreensão de modo a diminuir as hipóteses de sua aplicação. Aqui o jurista busca especialmente a igualdade. Se uma norma jurídica determinasse o pagamento de um determinado imposto e impusesse alíquotas maiores para os contribuintes de ascendência japonesa, por exemplo, o jurista faria uma leitura restritiva da norma jurídica, considerando que uma de suas partes é altamente atentatória aos direitos fundamentais, que preveem a igualdade entre todos. E a interpretação extensiva é aquela que aumenta o campo de possibilidades hermenêuticas de uma norma jurídica. As hipóteses normativas são ampliadas pelo jurista, de tal modo que previsões originalmente não estipuladas passem a ser compreendidas no âmbito de implicações de uma determinada norma. Em alguns ramos do direito, como no direito penal e tributário, a interpretação extensiva é afastada. 

7. Interpretação e integração

É costume que a teoria do direito faça uma distinção entre os métodos de interpretação e os métodos de integração do direito. Os métodos interpretativos, em geral, partiriam da própria norma jurídica, buscando fixar-lhe os conteúdos precisos. Já a integração partiria de lacunas no ordenamento jurídico, e, perante tais situações não normatizadas, o intérprete busca trazer elementos novos que preencham o alegado vazio normativo. Fundamentando a discussão a respeito da possibilidade de se fazer a integração normativa está a clássica divisão liberal-burguesa dos três poderes estatais: executivo, legislativo e judiciário.
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ESTUDO DE CASO II (Michael J. Sandel - Justiça - O que é fazer a coisa certa?)

PRESTADORES DE SERVIÇO

Muitas das nossas mais acaloradas discussões sobre justiça envolvem o papel dos mercados: O livre mercado é justo? Existem bens que o dinheiro não pode comprar - ou não deveria poder comprar? Caso existam, que bens são esses e o que há de errado em vendê-los? 

A questão do livre mercado fundamenta-se basicamente em duas afirmações - uma sobre liberdade e a outra sobre bem-estar social. A primeira refere-se à visão libertária dos mercados. Segundo essa ideologia, ao permitir que as pessoas realizem trocas voluntárias, estamos respeitando sua liberdade; as leis que interferem no livre mercado violam a liberdade individual. A segunda adota o argumento utilitarista para os mercados. Esse argumento refere-se ao bem-estar geral que os livres mercados promovem, pois, quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham. Se o acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a felicidade geral.

Céticos do mercado questionam esses argumentos. Eles afirmam que as escolhas de mercado nem sempre são tão livres quanto parecem. E afirmam também que certos bens e práticas sociais são corrompidos ou degradados se implicarem alguma transação com dinheiro. Por exemplo:

A BARRIGA DE ALUGUEL

William e Elizabeth eram um casal do profissionais liberais que morava em Tenafly, New Jersey - ele era bioquímico e ela, pediatra. Eles queriam ter um filho mas podiam conceber, pelo menos não sem que isso trouxesse riscos para a saúde de Elizabeth, que sofria de esclerose múltipla. Então entraram em contato com um centro de tratamento de infertilidade que intermediava gravidez "de aluguel" - mulheres dispostas a carregar um bebê no ventre para outra pessoa em troca de compensação financeira.

Uma das mulheres que responderam ao anúncio foi Mary Beth Whitehead, de 29 anos, mãe de duas crianças e casada com um trabalhador da área de saneamento. Em fevereiro de 1985, William Stern e Mary Beth Whitehead assinaram um contrato. Mary Beth aceitou se submeter a uma inseminação artificial com o esperma de William, gerar o bebê e entregá-lo a William após o nascimento. Ela também concordou em abrir mão de seus direitos maternos, para que Elizabeth Stern pudesse adotar a criança. Por sua vez, William aceitou pagar a Mary Beth a quinta de 10 mil dólares (por ocasião do parto), além das despesas médicas. (Ele também pagou 7.500 dólares ao centro de tratamento de infertilidade pela intermediação).

Após várias tentativas de inseminação artificial, Mary Beth engravidou e, em março de 1986, deu à luz uma menina. Os Sterns, ansiosos por adotar logo a filha, deram-lhe o nome de Melissa. Mas Mary Beth decidiu que não conseguiria abrir mão da criança e resolveu ficar com ela. Ela fugiu para a Flórida com o bebê, mas os Sterns conseguiram uma ordem judicial para que ela lhes entregasse a criança. A polícia da Flórida encontrou Mary Beth e o bebê foi entregue aos Sterns e a batalha pela custódia foi parar na Justiça de New Jersey.

O juiz tinha de decidir se deveria fazer valer o contrato ou não. O que você acha que seria a coisa certa a fazer? Para simplificar, concentremo-nos na questão moral, deixando de lado a questão legal. Acontece que New Jersey não tinha leis que permitissem ou proibissem contratos sobre gravidez de aluguem na época. William Stern e Mary Beth Whitehead haviam assinado um contrato. Moralmente falando, ele deveria ser cumprido?

O argumento mais forte a favor do cumprimento do acordo é que trata é trato. Dois adultos, espontaneamente, estabeleceram um acordo que traria benefícios para ambas as partes: William Stern teria um filho biológico e Mary Beth Whitehead receberia 10 mil dólares pelos nove meses de trabalho.

É verdade que essa não foi uma transação comercial comum. Assim, poderíamos hesitar em fazer com que o contrato fosse cumprido por um dos dois seguintes motivos: Primeiramente, poderíamos questionar se o fato de uma mulher aceitar ter um bebê e entregá-lo a outra pessoa por dinheiro seria uma decisão fundamentada. Estaria ela realmente segura quanto aos sentimentos que teria quando chegasse o momento de abrir mão da criança? Se isso não posse possível, poderíamos argumentar que seu consentimento inicial teria sido prejudicado pela necessidade de dinheiro e pela falta do conhecimento adequado sobre o que representaria, na verdade, o fato de abrir mão do filho. Em segundo lugar, poderia haver objeções quando ao fato de vender bebês ou de alugar a capacidade reprodutora de uma mulher, ainda que ambas as partes houvessem concordado com isso conscientemente. Poderíamos ainda argumentar que essa prática transforma crianças em mercadorias e explora mulheres ao tratar a gravidez e o parto como uma transação comercial.

O juiz Harvey R. Sorkow, encarregado do julgamento do caso que se tornou conhecido como "Baby M", não se deixou persuadir por nenhuma das objeções anteriores. Ele alegou a invulnerabilidade dos contratos e exigiu o seu cumprimento. Trato é trato, e a mãe que gerara a criança não tinha o direito de quebrar um acordo simplesmente por haver mudado de ideia.

O juiz fez considerações sobre ambas as objeções. Primeiramente, negou que a aquiescência de Mary Beth tivesse sido involuntária ou que ela tivesse sido de alguma forma influenciada: "Nenhuma das partes estava em vantagem em relação à outra. Cada uma tinha aquilo que a outra queria. O valor do serviço que cada uma teria de realizar foi estipulado e o trato foi feito. Ninguém foi forçado a coisa alguma. Tampouco lançou-se mão de qualquer artifício que colocasse a outra parte em desvantagem. Ambas as partes tinham o mesmo poder de barganha."

Em seguida, o juiz rejeitou a ideia de que a gravidez de aluguel é um comércio de bebês. Ele alegou que William Stern, o pai biológico, não comprou uma criança de Mary Beth Whitehead; ele pagou a ela pelo trabalho de engravidar e dar à luz seu filho: "Em um nascimento, o pai não compra o bebê. Ele é seu filho biológico e carrega sua herança genética. Um pessoa não pode comprar aquilo que já é seu." Segundo o raciocínio do juiz, uma vez que o bebê foi concebido a partir do esperma de William Stern, ele era seu filho. Portanto, não houve comércio de bebê. O pagamento de 10 mil dólares foi feito por um serviço (a gravidez e o parto), e não por um produto (a criança).

Quanto à alegação de que tal serviço é uma exploração da mulher, o juiz Sorkow discordou. Ele comparou a gravidez de aluguel à doação de esperma. Já que homens podem vender seu esperma, as mulheres deveriam poder vender sua capacidade reprodutiva: "Se um homem pode oferecer meios para a procriação, uma mulher pode, igualmente, fazê-lo." Qalquer objeção a isso, declarou, seria privar a mulher da proteção igualitária da lei.

Mary Beth Whitehead apelou à Suprema Corte de New Jersey. Por unanimidade, a corte anulou a sentença do juiz Sorkow e declarou inválido o contrato da gravidez de aluguel. A corte deu a custódia de Baby M para William Stern com base no fato de que essa seria a melhor opção para a criança. Contrato à parte, a corte considerou que os Sterns teriam melhores condições de criar Melissa. Entretanto, restituiu a condição de mãe para Mary Beth Whitehead e determinou à Justiça comum que estipulasse direitos de visitação.

O relator, o presidente da Suprema Corte Robert Wilentz, rejeitou o contrato de aluguel, argumentando que ele não havia sido verdadeiramente voluntário e que constituía comércio de bebês.
Primeiramente, apontou falhas no consentimento de Mary Beth. Concordar em gerar uma criança e entregá-la após o nascimento não foi um ato realmente voluntário, porque Mary Beth não tinha condições de saber, de fato, o que isso implicava. "De acordo com o contrato, a mãe natural se comprometeu de forma irrevogável antes de conhecer a força dos seus laços com a criança. Ela não poderia ter tomado uma decisão totalmente voluntária, consciente, pois é evidente que qualquer decisão antes do nascimento do bebê é, no sentido mais importante, uma decisão desinformada."

Depois do nascimento da criança, a mãe está mais preparada para tomar uma decisão consciente. Entretanto, a essa altura sua decisão não é livre; ela sofre as pressões da "ameaça de um processo e da força persuasiva de um pagamento de 10 mil dólares", o que a torna "não totalmente voluntária". Além disso, a necessidade financeira faz com que seja provável que mulheres pobres "optem" por ser barrigas de aluguel para os ricos, em vez do contrário. O juiz Wilentz sugeriu que isso também colocava em questão o caráter voluntário de tais acordos: "Duvidamos que casais inférteis das camadas sociais mais baixas encontrem pessoas de camadas mais altas dispostas a fazer com eles um contrato de gravidez de aluguel." 

Assim sendo, uma das razões para o cancelamento do contrato foi o consentimento comprometido. Mas Wilentz deu outra razão, ainda mais fundamental: "Deixando de lado a grande necessidade financeira e a sua falta de informações quanto às consequências que poderiam advir, sugerimos que seu consentimento tenha sido irrelevante. Existem algumas coisas em uma sociedade civilizada que o dinheiro não pode comprar."

A gravidez de aluguel configura comércio de crianças, afirmou Wilentz, e o comércio de crianças é ilegal, por mais que seja voluntário. Ele rejeitou o argumento de que o pagamento tivesse sido pela gravidez de aluguel, e não pela criança. De acordo com o contrato, 10 mil dólares seriam pagos apenas depois que a mãe abrisse mão da custódia do bebê e de todos os seus direitos maternos. "Trata-se de venda de uma criança ou, na melhor das hipóteses, da venda dos direitos de uma mãe sobre seu filho. A única atenuante é que o comprador é o pai (...) [Um] intermediário, incentivado pelo lucro, promove a venda. Qualquer que tenha sido o idealismo que motivou os participantes, o objetivo do lucro impõe-se, permeia e, finalmente, comanda a transação." 

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Faculdade de Direito Estacio de Curitiba - IED - 2019.2 - Aula 08

O Processo Legislativo Brasileiro está regulado pela Constituição Federal, art. 59 a 69 e 84; Lei Complementar nº 95, de 26/02/1998 e Decreto nº 9.191/17. 

O Processo Legislativo pode ser entendido pelo conjunto de disposições que dizem respeito ao procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes para que haja a produção de diversas espécies normativas em geral que derivam diretamente da própria Constituição, cada uma delas com suas variações, dessa forma, o conteúdo, a forma e a sequência de cada ato obedecem às regras próprias, de acordo com a espécie de lei a ser criada.

Os atos preordenados do Processo legislativo que visam a criação das normas de Direito, basicamente, são: 

A) Iniciativa legislativa, a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos e lei ao Legislativo, pode ser conferida concorrentemente ou então é outorgada com exclusividade a uma pessoa ou a um órgão. 

B) As emendas, que constituem proposições apresentadas como acessórias a outra. Dão o direito de que os membros das Casas do Congresso possam sugerir modificações nos projetos de leis. 

C) Votação, que consiste ato coletivo de ambas as Casas do Congresso, é procedida de estudos e pareceres de comissões técnicas e culmina na aprovação ou reprovação do projeto. 

D) Sanção e veto, que são os atos legislativos exclusivos do presidente da República. A sanção é a adesão do chefe do Executivo ao projeto de lei aprovado pelo Legislativo, já o veto é o modo pelo qual o presidente exprime a sua discordância. 

E) Promulgação que é a comunicação aos destinatários da lei de que esta foi criada com determinado conteúdo, ou seja, o meio de se constatar a existência da lei. 

F) E, por fim, a publicação, que é a condição para a lei entrar em vigor e se tornar eficaz, realiza-se pela inserção da lei promulgada no jornal oficial.

O Processo legislativo sofre variações de acordo com cada espécie normativa a ser introduzida no sistema. Muitas fases são comuns a cada tipo de procedimento, no todo ou em partes. O procedimento mais amplo e completo é o da elaboração de uma lei ordinária, ele comporta mais oportunidade para o exame, o estudo e a discussão do projeto.

Processo ordinário se inicia pela fase introdutória, que permite alguém ou algum órgão apresentar projetos de lei ao Legislativo. Diz-se iniciativa de lei parlamentar aquela que a Constituição confere aos membros do Congresso de apresentação de projetos. Por outro lado, diz iniciativa de lei extraparlamentar aquela conferida ao Chefe do Executivo, aos Tribunais Superiores, ao Ministério Público e aos cidadãos (iniciativa popular). 

Há também, a iniciativa concorrente, que pertence a vários legitimados de uma só vez. Após a apresentação do projeto, há a fase constitutiva, na qual haverá ampla discussão e votação sobre a matéria nas duas Casas, delimitando-se objeto a ser aprovado ou rejeitado pelo Poder Legislativo, no último caso, o projeto rejeitado só pode ser objeto de nova deliberação quando constar pedido da maioria absoluta de qualquer das Casas do Congresso. 

Superada a fase de deliberação, o projeto, caso aprovado, é remetido ao Poder Executivo, que irá sancioná-lo ou vetá-lo. Como nos termos do artigo 66 da Constituição Federal, a sanção é o modo pelo qual o Executivo manifesta sua aquiescência ao projeto de lei. O veto, distintamente, é a manifestação de discordância, e pode ser baseado em dois fundamentos, ou contrariedade ao interesse público ou inconstitucionalidade. 

Aprovado o projeto, há promulgação, ato pelo qual o Presidente atesta que a ordem jurídica foi inovada validamente, a partir desse momento, ocorrem dois efeitos, os fatos e atos geradores da lei se tornam conhecidos e a mesma se torna válida, executável e obrigatória. Por fim, ocorre a publicação, por meio dessa é que se dá o conhecimento público da existência do ato normativo. 

Em suma, dada a proposta, o projeto segue para a Comissão de Constituição e Justiça e Comissão Temática para que haja a análise de seu mérito, bem como de sua constitucionalidade. Se houver aprovação por tais comissões, o projeto seguirá para a Casa Originária, onde deverá ser aprovado por maioria simples de seus membros, estando presente a maioria qualificada na sessão. Se aprovada na casa de origem, o projeto segue para a Casa Revisora, na qual deverá ser aprovado pelo mesmo quórum da anterior, seguindo então para que o Chefe do Executivo dê seu veto ou sanção.

Diante da rejeição do projeto de lei, a matéria só poderá ser objeto de novo projeto na próxima sessão legislativa, com a exceção contida no artigo 67 da Constituição Federal, que trata da possibilidade de discutir a matéria do projeto rejeitado como novo projeto na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.

Se a Casa Revisora entender aprovar o projeto com emendas substanciais, ele deverá voltar para a Casa Originária para deliberação. É como explica Alexandre de Moraes, in verbis:

Importante ressaltar que em face do princípio do bicameralismo, qualquer emenda ao projeto aprovado por uma das Casas, haverá, obrigatoriamente, que retornar à outra, para que se pronuncie somente sobre esse ponto, para aprová-lo ou rejeitá-lo, de forma definitiva. Dessa forma, o posicionamento da Casa que iniciar o processo legislativo (Deliberação Principal) prevalecerá nesta hipótese.[i]

A enumeração do artigo 59 da Constituição Federal traz as espécies normativas primárias, ou seja, aquelas que retiram seu fundamento de validade diretamente da mesma. Segundo o artigo citado, o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, seu parágrafo único prevê que a lei complementar disporá sobre a elaboração, redação e consolidação das leis.

Emendas Constitucionais

Emenda se trata de espécie normativa encarregada de inovar a ordem constitucional, apresenta rito especialíssimo se comparado com o processo legislativo ordinário. A Constituição brasileira tem como característica sua rigidez, só podendo ser modificada por procedimento previsto em seu texto. 

Assim, a emenda à Constituição, é considerada ato infraconstitucional se ainda não aprovada, a partir dessa aprovação é que ingressa em nosso ordenamento, passando a ser preceito constitucional, de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias. 

A propositura das emendas pode partir dos membros ou órgãos do Senado Federal ou Câmara dos Deputados, assim, como o Presidente da República. Para esse ingresso ao ordenamento jurídico, essa deve acordar com o previsto no artigo 60 da CF, sendo assim constitucional. Ao caso de desrespeitar algum dos impostos no artigo, é considerada inconstitucional. 

A Constituição traz duas grandes espécies de limitações jurídicas ao Poder de reformá-la, essas são expressas e implícitas. Limitações expressas são aquelas previstas textualmente na CF, possuem caráter material quando não permitem mudanças na forma de organização do governo e do Estado, tal como mudança na forma federativa, no voto direto, secreto, universal e periódico, separação de poderes e outras características intrínsecas. Possuem caráter circunstancial quando pretendem evitar modificações na constituição em certas ocasiões anormais e excepcionais do pais. 

E por fim, há as limitações de caráter procedimentais ou formais, que se referem às disposições especiais em relação ao processo legislativo ordinário.

Leis complementares

Lei complementar apresenta o mesmo processo legislativo da lei ordinária, com exceção do quórum, pois o artigo 69 da CF exige maioria absoluta. A matéria reservada à lei complementar não pode ser veiculada por medida provisória, tampouco por lei delegada, dessa forma, deve ser exclusiva.

Diferentemente da complementar que só pode ter como objeto a matéria taxativamente prevista na CF, a lei ordinária tem como objeto todas as demais matérias, e também, enquanto o quorum para aprovação da primeira é de maioria absoluta, o quorum para a segunda é de maioria simples dos membros das Casas do Congresso.

Leis Delegadas

Lei delegada é ato normativo elaborado pelo Presidente da República com autorização expressa do Poder Legislativo. A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. A essa exclusiva e discricionariamente exercida pelo Chefe do Poder Executivo é denominada iniciativa solicitadora. Esta deve ser aprovada por maioria simples, tendo forma de resolução, onde serão especificadas as regras sobre conteúdo e sobre exercício. A aprovação se faz em sessão bicameral, através de votação pelas Casas do Congresso.

Não é qualquer matéria que pode ser objeto de delegação. O parágrafo primeiro do artigo 68 da CF exclui da delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os atos de competência privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, matéria reservada à lei complementar, legislação sobre organização do Poder Judiciário e do MP, a carreira e a garantia de seus membros, nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes orçamentarias e orçamentos. 

Medidas Provisórias

Medida provisória constitui ato normativo primário e tem força de lei. O Presidente da República, diante de urgência e relevância, pode expedir medidas provisórias, que possuem força de lei pelo período de sessenta dias. O chefe do Executivo expede a medida provisória e submete-a, de imediato, ao controle do Congresso Nacional que de imediato a envia para a Comissão Mista de Deputados e Senadores, para emissão de parecer, nos termos do parágrafo nono do artigo 62. Em seguida, será enviada à Câmara dos Deputados para apreciação e, depois, ao Senado Federal. Se o plenário de alguma das duas casas decidir no sentido de não atendimento dos pressupostos constitucionais ou da inadequação financeira ou orçamentaria da medida provisória, esta será arquivada. 

Aprovada, a medida provisória será convertida em lei, devendo o presidente do Senado promulga-la, uma vez que se consagrou na esfera legislativa essa atribuição ao próprio Poder Legislativo, remetendo ao Presidente da República, que publicará a lei em conversão.

Apesar de o prazo de validade das medidas ter sido ampliado para 60 dias, se ela não tiver sido apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, porém com força de lei. Este regime de urgência poderá, excepcionalmente, estender-se por 75 dias, pois não sendo suficientes os 15 dias restantes de vigência da medida provisória, haverá possibilidade de uma única reedição por novo prazo de 60 dias, para que a mesma tenha sua votação encerrada.

A medida provisória não revoga a ordem jurídica anterior, mas suspende apenas a eficácia da norma modificada. Confirmada a medida provisória pela aprovação, há revogação da legislação anterior modificada, se não apreciada ou rejeitada, a norma modificada se restabelece.

À luz do inciso 12 do artigo 62 do diploma constitucional, verifica-se que é vedada a reedição de medida provisória que tenha sido rejeitada ou perdido a eficácia devido a decurso de prazo na mesma sessão legislativa. Caso se aprove projeto de lei de conversão que altere o texto original da medida provisória, esta se manterá em vigor até que o projeto seja sancionado ou vetado.

Decretos Legislativos

Decreto legislativo é espécie normativa veiculadora das competências exclusivas do Congresso Nacional. Não apresenta necessidade de sanção ou veto. É promulgado pelo Presidente do Senado Federal e é a espécie exigida para a disciplina das relações jurídicas decorrentes, por exemplo, da medida provisória não apreciada ou rejeitada.

A emenda constitucional n 45/2004 trouxe a hipótese de um decreto legislativo especial, qual seja, aquele que ratifica Tratado ou Convenção Internacional de Direitos Humanos, que deve ser aprovado em processo assemelhado ao da emenda constitucional, pois tem a equivalência desta. Dessa maneira, há dois tipos de decreto legislativo, o tradicional, que é aprovado por maioria, sem procedimento especial e o decreto com equivalência de emenda, que sofrerá disciplina mais severa.

Resoluções

As resoluções são atos normativos primários e possuem tipicamente efeitos internos, podendo produzir efeitos externos de forma atípica. Elas servem para regular as matérias de competência privativa do Congresso Nacional e das casas que o compõem, ou seja, Senado Federal e Câmara dos Deputados, sendo que não há determinação de processo legislativo para que sejam elaboradas, a regulamentação para a elaboração das resoluções é determinada de acordo com o regimento interno de cada Casa Legislativa.

[i] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2008. P. 653
Referências:

01.   Constituição Federal, art. 59 a 69 e 84;
Do Processo Legislativo
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. (LC-95, 26/02/1988 e Decreto-4.176, 28/03/2002).
Da Emenda à Constituição
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Se
nado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º. A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
§ 5º. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

Das Leis
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (EC 18/98 e EC nº 32/2001).
§ 1º. São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II – disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e
autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária,
serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento
de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem
como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria
Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;
f ) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos,
promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
§ 2º. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (EC n 32/2001).
§ 1º. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
§ 2º. Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
§ 3º. As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
§ 4º. O prazo a que se refere o § 3º, contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.
§ 5º. A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
§ 6º. Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º. Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
§ 8º. As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.
§ 9º. Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3ºaté sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.
Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:
I – nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, §§ 3ºe 4º;
II – nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.
Art. 64.A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. (EC nº 32/2001);
§ 1º. O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.
§ 2º. Se, no caso do § 1º a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.
§ 3º. A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao mais o disposto no parágrafo anterior.
§ 4º. Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código.
Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. (EC nº 32/2001 e EC nº 76/2013);
§ 1º. Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
§ 2º. O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 3º. Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.
§ 4º. O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.
§ 5º. Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.
§ 6º. Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.
§ 7º. Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos §§ 3ºe 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º. Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I – organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II – nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III – planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º. A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º. Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

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01.   Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona).
02.   Decreto nº 9.191/17 (Estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a redação, a alteração, a consolidação e o encaminhamento ao Presidente da República de projetos de atos normativos de competência dos órgãos do Poder Executivo Federal, e dá outras providências.