domingo, 6 de outubro de 2019

FACULDADE DE DIREITO ESTÁCIO DE CURITIBA - IED - 2019.2

FRAGMENTOS SOBRE A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO

Esse tema será tratado, em profundidade, no campo apropriado: Sociologia Jurídica. Por ora é apenas uma amostra. É que segundo, Francisco José Carvalho: "A função social do direito é um conceito metajurídico", e dessa forma, a alusão a ele tem como objetivo o destaque.

Assim, Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Sociologia Jurídica, p. 17) defende que: O Direito é para a Sociologia Jurídica uma ciência essencialmente social, oriunda da sociedade e para a sociedade. As normas do Direito sã regras de conduta para disciplinar o comportamento do indivíduo no grupo, as relações sociais; normas ditadas pelas próprias necessidades e conveniências sociais. Não são regras imitáveis e quase sagradas, mas sim variáveis e em constante mudança, como o são os grupos onde se originam.

Pelo viés da Sociologia Jurídica, são catalogadas, pelo menos, 12 funções. São elas: Função de controle social, de Resolução de Conflitos, de Segurança Jurídica, de Orientação e Persuasão, de Realização da Justiça, de Legitimação do Poder, de Integração Social, de Conferir Legitimidade aos Atores Sociais, de Fortalecer o Processo de Socialização, de Institucionalizar a Mudança Social e Função Distributiva.

Francisco José Carvalho (www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=16570), conceitua função assim: "Do latim, functio, de fugi (exercer, desempenhar) embora seja tido no mesmo sentido que cargo, exercício ou ofício, na técnica do Direito Administrativo, entende-se mais propriamente o direito ou dever de agir, atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da administração pública ou o preenchimento de sua missão, segundo os princípios instituídos pela própria lei.[31].

O professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, lecionando sobre os fins sociais, esclarece que: “(.....). as expressões ‘fins sociais’ e ‘bem comum’ são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem. Os ‘fins sociais’ são ditos do direito, em todas as manifestações normativas faz-se mister encontrar o seu fim, e este não poderá ser anti- social. Quanto ao bem comum, não se trata de um fim do direito mas da própria vida social”. [32].

Entendemos que a função social é o dever jurídico imposto ao titular do bem móvel e imóvel, de atender às exigências legais e morais, de modo a compatibilizar o uso, gozo e fruição da coisa, respeitando os direitos da coletividade e operando a vontade de socializar os frutos, que podem ser produzidos com a correta utilização do bem da vida.

A palavra função convoca o leitor a compreensão de que alguma coisa, ser ou órgão desempenha um papel, uma atividade. Quem tem função tem algo a desempenhar, a cumprir, a exercer, a corresponder dentro da concepção de ser e de objeto que possua corpo, forma e existência, quer no mundo fenomênico, real ou formal.

A função é o exercício ou a atividade de um ser dotado ou não de vida. Corresponde ao papel a que deve desempenhar em dado momento ou circunstância quando empreendido para uma finalidade, para alcançar um objetivo, para cumprir o seu conteúdo.

Diz-se assim que o conteúdo de determinada coisa, é a qualidade indeclinável de sua própria existência, devendo por isso desempenhar os objetivos, as finalidades e a consecução para a qual foi criado, pensado, estruturado, automatizado, transformado, empreendido, compreendido, e portanto, é o núcleo do próprio ser.

A função de determinado ser, órgão, organismo, organização, instituto ou instituição, jurídica ou não, é cumprir o seu norte, o seu objeto, o seu conteúdo, tornando útil, produtivo, valorativo e empreendedor das qualidades que o torna um ser existencial.

Só desempenha função quem ocupa espaço no mundo fenomênico, seja em si mesmo como organismo vivo ou quando não dotado de vida, possua existência própria e seja passível de percepção por um ser vivo.

Função do direito é o elemento que qualifica a norma a partir da regra contida do comando enunciativo, fazendo com que o signatário da regra perceba, enxergue e observe o objetivo daquele comando imperativo a ele destinado.

Estando o direito revestido de uma função, esta deve ser cumprida pelo destinatário da norma, de modo que o direito só cumpre função quando alguém se vale dele para resguardar uma ou outra situação regulada pelo direito.

O direito cumpre uma função individual e uma função coletiva. Função individual porque regula os interesses do individuo, desde o nascimento até sua morte, produzindo efeitos após a sua partida do mundo que um dia testemunhou sua chegada. As coisas, objetos, órgãos e organismos, considerados neles mesmos como seres dotados de personalidade ou não, o direito também regula, e exige o cumprimento de uma função, de um objeto, de uma finalidade. O direito cumpre uma função coletiva quando destinado a estabelecer regras aplicáveis a um grupo determinado ou não de pessoas, nesta última estando presente o traço da transindividualidade.

A função do direito o é empreender o fim almejado pelo legislador que no âmbito da estrutura da norma encerra comandos normativos que regulam as relações sociais. Equivale dizer que o direito é o predicado da socialidade da norma dentro de uma perspectiva útil, necessária e transitiva dos atores sociais que devem viver em harmonia, em solidariedade, em fraternidade, praticando o bem comum e buscando a paz e a justiça no meio em que vivem.

Nessa completude, muitos podem discordar e dizer que o direito está a serviço das classes dominantes e por isso o comando enunciativo da norma irá privilegiar esta ou aquela classe social. Certamente, alguém sempre defenderá que o direito irá normatizar e proteger as estruturas de poder voltadas para aquele que domina em contra partida daquele que é dominado.

Diríamos que quem assim pensa não está errado, está correto, mas não poderá deixar de enxergar que os processos sociais evoluíram, assim como evoluíram as sociedades e o corpo social que a compõe. Está claro que nessa análise sociológica do direito algo deve ficar claro e é exatamente a compreensão de que o homem se desenvolveu, sofreu transformações e alterou seu modo de pensar e agir.

Ao lado dessa constante evolução, talvez os maiores predicados do Direito Contemporâneo sejam exatamente evitar que as normas sirvam para uns e não para outros. Que o direito privilegie uns em detrimentos de outros, que para um a norma funcione e para outros não, que para uma minoria, que o Poder Judiciário tem sempre uma resposta favorável para o mais dotado de poder econômico, enquanto para os humildes e o menos dotado de cultura, o direito e o Judiciário podem se calar.
Nessa órbita e nessa dinâmica, toda vez que o Direito e o Poder Judiciário se calarem contra a maioria e os humildes é porque aquele que está operando no caso concreto com o direito dessa massa desprovida, não está aplicando o sentido valorativo da norma e nem aplicando os princípios constitucionais que fundamento a função social do direito.

Quem não aplica os princípios da função social do direito está servindo a uma estrutura de poder que só pensa no seu, que abandona o nosso e afasta contra a grande maioria, a verdadeira aplicabilidade da norma constitucional. Em realidade, colocam uma venda diante do problema porque sabemos que para tudo, quem opera com o direito, há sempre uma resposta contra o sistema que as estruturas de Poder, em qualquer classe social dominante ou seguimento culturalmente mais abastarda deseja manter."

Também nesse trabalho, ele trata: "1.7. O emergir dos valores sociais no século XX e as novas realidade jurídicas. Desde os meados do século XII, declínio da Idade Média, até o século XIX e os dias atuais, as relações sociais mantiveram-se regradas pela ação do capitalismo que é o sistema econômico tendente a gerar riquezas e propiciar o surgimento das desigualdades sociais.

A concepção de que o sistema capitalista é o melhor sistema possível para as sociedades contemporâneas, já que possibilita a acumulação de capital e os investimentos em bens e serviços, não é também incorreto afirmar que é ele o responsável por inviabilizar o acesso a esses mesmos bens e serviços a todas as camadas sociais, em especial, quando, aqueles bens são servidos à sociedade e colocam em risco aqueles que os adquirem.

Devemos lembrar que, nesta contextualidade, o indivíduo integrante de uma classe social humilde, sempre foi à parte que mais sofreu os reflexos do capitalismo, em decorrência da inexistência de um mecanismo de proteção apto a fazer valer seus direitos e lhe garantir o acesso à justiça de forma eficaz.

O processo civil clássico defendia o individuo e não a coletividade, na medida em que a defesa estava consubstanciada na concepção de direitos subjetivos, que sempre representou a ideia de direitos individuais. Nesse sentido, toda vez que o risco ou o dano envolvesse um número muito maior de pessoas, se tornava difícil à tutela dos direitos desses mesmos grupos, inviabilizando por isso mesmo, o alcance efetivo da prestação jurisdicional.

Como outrora ficou consignado, a realidade social deflagrada com a Revolução Industrial permitiu o surgimento do dano em larga escala atingindo também em larga escala a grande massa de consumidores.

Nesse panorama, as massas, vítimas dos acidentes de consumo, dificilmente tinham satisfeitas suas pretensões judiciais, à medida que o mecanismo de proteção individualista não permitia a efetivação dos direitos. Era preciso então criar um mecanismo de proteção capaz de abraçar toda uma coletividade, vítima do sistema de produção escalonado.

Devemos anotar que não houve um abandono do regime do direito processual civil clássico para um novo modelo que, como se disse, evoluiu com os processos sociais e com o próprio direito, denominado de processo civil coletivo ou processo civil contemporâneo.

O processo civil clássico como procuramos descrever, nasceu numa estrutura ideológica fundada no individualismo, cujo berço foi à ideologia individualista, formalista e patrimonialista da Revolução Francesa, ao contrário do processo civil contemporâneo que foi fruto das necessidades sociais e do avanço dos processos sociológicos de buscar uma alternativa para a defesa dos interesses e dos direitos de todas as classes sociais.

Os novos instrumentos materiais e processuais vieram à tona com a evolução do Direito Constitucional Brasileiro de 1988, fornecendo ao ordenamento jurídico pátrio princípios inovadores no Direito Material e no Direito Processual Civil. Deve-se dizer que a Constituição Federal de 1988 foi para o Brasil, o rompimento do modelo tradicional de processo civil que inaugurou no ordenamento jurídico nacional, a estrutura de um novo processo civil, o processo civil coletivo, ao lado do já existente processo civil individual.[27].

O surgimento do processo civil coletivo com a Constituição Federal de 1988 exigiu do legislador infraconstitucional, um trabalho árduo para adequar o corpo das leis à nova base principiológica que a Carta Magna apresenta à sociedade. Entre os princípios inovadores do processo civil constitucional estão: a) a dignidade da pessoa humana; b) o acesso à justiça; c) a tutela do consumidor, d) a tutela do meio ambiente, e) a função social do direito, f) a duração razoável do processo, g) o direito à propriedade e sua função social, entre outros.

No cenário constitucional, a expressão cidadão é a marca de um novo trato aos direitos individuais e sociais, capazes de criar uma nova visão do homem a partir da compreensão de que ele é o elemento base da estrutura da sociedade.

No plano normativo infraconstitucional, as reformas do Código de Processo Civil vão surgir com a adoção das tutelas cautelares, antecipações de tutelas, as tutelas de urgência. As mudanças ressoam também no recurso de agravo de instrumento. Tudo isso levou e possibilitou à sociedade, o livre acesso ao Poder Judiciário, por meio do ajuizamento de demandas tendentes a tutelar os direitos fundamentais do cidadão.[28] Esta realidade no direito positivo nacional foi trazida pelas seguintes legislações:

a) Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1.965, (Lei de Ação Popular), inicialmente usada para impor veto às ações do poder executivo e de seus agentes, tendentes a causar dano no exercício das atividades, mas foi durante muito tempo usada para proteger o meio ambiente, diante da ausência da legislação específica no campo processual;[29]

b) A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), disciplina pela primeira vez no Brasil, de forma ampla a tutela material do meio ambiente.

c) Lei n­º 7.347 de 24 de julho de 1.985 (Lei de Ação Civil Pública);

d) Lei nº 7.853/89 (Estabelece a defesa de pessoas portadoras de deficiência);
e) Lei nº 7.913/89 (disciplina a responsabilidade civil por danos causados aos investidores de mercados imobiliários);
f) Lei nº 8.069/90 (Institui o Estatuto de Proteção a Criança e ao Adolescente);

g) Constituição Federal, art. 225 (Tutela Constitucional do Meio Ambiente);

h) Lei 8.078 de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor).

Ambas as legislações instituíram e representam ao lado da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24 de julho de 1987) um sistema de defesa do consumidor, um sistema de defesa processual civil da sociedade.

Além das legislações referidas, é fato corrente que o Código de Processo Civil de 1973 passou por várias reformas que procuraram criar novos instrumentos e regras procedimentais para dinamizar o processo civil, agilizar e tornar efetivo a prestação jurisdicional do Estado.

Há que se sublinhar que o advento dessas legislações não foi suficiente para amoldar as novas realidades jurídicas. Com efeito, foi preciso também que o aplicador da lei, o jurista e o intérprete fizessem um esforço também condizente com as mudanças operadas. Isso ocorreu a partir de uma interpretação diferenciada do processo civil moderno.

As várias mudanças operadas no Código de Processo Civis de 1973 e no Direito Material (Lei 6.938 - Política Nacional do Meio Ambiente); Lei 8.078 de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor); (Lei 11.445/2007 - Marco Regulatório do Saneamento Básico e Ambiental), entre outras, se fizeram necessárias para adequar às realidades surgidas e fazer com que elas se incorporassem às denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas.[30]

A isso, colhemos das notas: [26, notas]"De tudo o que foi dito, é importante compreender esse fenômeno também a partir das lições de Kazuo Watanabe, que assevera: “O que aconteceu de mais importante, em razão dessas transformações revolucionárias do processo civil pátrio, foi a facilitação do acesso à Justiça por parte do conflitos individuais, de competência dos Juizados de Pequena Causas, além da abertura de acesso para os interesses difusos e coletivos stricto senso, que constituem o objeto do processo de interesse público”. O advento da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984), anos mais tarde substituída pela Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais (Lei 9.099, de 29 de setembro de 1.995)  representou sem dúvida alguma, um grande potencial de acesso à justiça. Todavia, não raras às vezes, nos deparamos com processos também que demoram sobremaneiramente para se obter à plena satisfação do direito reclamado com a entrega do bem da vida."

Essa questão dos Juizados Especiais faz-se importante porque se há um direito assegurado pelo Estado, esse direito deve ter amparo processual para o respectivo exercício. 

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