domingo, 15 de janeiro de 2017

Análise dos Prazeres


     Não é possível nem aconselhável dizer tudo, ainda que se desejasse.
     1ª) "Amor é fogo que arde sem se ver,
            é ferida que dói e não se sente,
            é um contentamento descontente,
            é dor que desatina sem doer;
é um não querer mais que bem querer,
é solitário andar por entre a gente,
é nunca contentar-se de contente,
é cuidar que ganha em se perder;
            é querer estar preso por vontade,
            é servir a quem vence o vendedor,
            é ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?" (Luiz Vaz de Camões - Sonetos)

     2ª) "É preciso considerar que, entre os desejos, alguns são naturais, outros vazios, que, entre os desejos naturais, uns são necessários, outros, simplesmente naturais; dentre os que são necessários, uns são necessários à felicidade, outros à própria vida. É a justa compreensão dessas coisas que permite referir toda escolha e toda recusa à saúde do corpo e à ataraxia (imperturbabilidade) da alma, já que nisso está a finalidade da vida feliz. Pois agimos sempre para evitar a dor e o medo. Quando o conseguimos, toda a turbulência da alma se dissipa, já que o vivente não mais tem de perambular como se buscasse algo ausente nem procurar alguma coisa para satisfazer o bem do corpo e o bem da alma. Só precisamos do prazer quando sofremos por sua falta; mas quando não sofremos, não temos nenhuma necessidade de prazer. Por isso dizemos que o prazer é o começo e o fim da vida feliz. É ele que reconhecemos como o bem primitivo e natural e é a partir dele que que se determinam toda escolha e toda recusa e é a ele que retornamos sempre, medindo todos os bens pelo cânon do sentimento. Exatamente porque o prazer é o bem primitivo e natural, não escolhemos todo e qualquer prazer; podemos mesmo deixar de lado muitos prazeres quando é maior o incômodo que os segue; e consideramos que muitas dores são melhores do que os prazeres quando conseguimos após suportá-las, um prazer ainda maior. Todo prazer é portanto bom por seu vínculo conosco é congênito; no entanto, não convém buscar todo e qualquer prazer. Do mesmo modo, toda dor é um mal e no entanto nem todas são de natureza a nos fazer fugir. É por comparação e pelo exame dos benefícios e dos inconvenientes que devemos avaliar essas coisas. Há casos, com efeito, em que o bem pode ser para nós um mal e, reciprocamente, em mal pode se tornar um bem. Julgamos também que a independência é um grande bem, não porque devamos sempre nos contentar com pouca coisa, mas a fim de que, se nos faltar a abundância, possamos satisfazer-nos com pouco, verdadeiramente convencidos de que os que encontram na abundância os mais doces prazeres são os que dela menos precisam e que tudo que é natural é fácil de obter, mas não o supérfluo. Sabores simples nos trazem prazer igual ao de uma suntuosa refeição, uma vez saciada a dor que a carência engendra; o pão e a água produzem o mais alto prazer quando aquele que precisa deles os leva aos lábios. Acostumar-se com a simplicidade e frugalidade assegura plena saúde e deixa o homem disposto para os esforços úteis de sua vida e quando, uma vez ou outra, desfrutar do luxo, será da melhor maneira, sem temor dos dias difíceis." (Epicuro - Carta a Menequeu). 
     Segundo Epicuro, a sabedoria consiste em desenvolver e desencantar as forças naturais, para viver em serena harmonia com a ordem cósmica. Não há segredo no cosmos se soubermos nos servir das luzes da inteligência, para ir ao fundo daquilo que as sensações nos mostram. É bem esse o objetivo da ética epicúria: ensinar-nos a cuidar de nossa vida como de um belo jardim. Justamente por constituir o bem maior de que dispomos, a vida merece que desfrutemos das satisfações fundamentais: a paz de espírito, a amizade, o gosto dos prazeres verdadeiros, pontua João Quartim de Moraes.

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