domingo, 6 de janeiro de 2019

Direito e Literatura (Cultura)

"O que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu." (Goethe - Fausto).

"Ao abrir um encontro internacional, a atriz Melina Mercuri, à época ministra da Cultura da Grécia, anunciou que pronunciaria algumas palavras em sua língua natal. A plateia mirou-a com certa surpresa e desencanto, antecipando que nada entenderia. Não foi o que se passou, todavia, quando ela falou, sonora e pausadamente: "Democracia. Política. Matemática. Teatro." Vocábulos de uma língua universal, que fazem parte da semântica do mundo contemporâneo. Se fosse para utilizar um chavão da temporada, não haveria excesso em dizer: "Somos todos gregos." (Luís Roberto Barroso). "A História não caminha linearmente. Ela avança aos solavancos, com notáveis explosões de criatividade, normalmente temperadas pela rebeldia. [...] Nesse ponto, vale fazer uma distinção entre cultura e informação. Vivemos numa sociedade assolada por informações. Temos fácil acesso a todo tipo de dados, sobre os mais diversos assuntos. As informações chegam pela televisão, pelo celular, pelos jornais (que, em breve, serão ultrapassados por outras mídias). A informação vale no momento, mais rapidamente se torna absoleta. (...). Diferentemente, a cultura é tecida de registros de maior força. São conceitos fundamentais, obras de arte ou monumentos políticos que, por sua importância, se afirmam na memória coletiva, criando uma consciência comum. A partir da cultura, estabelecemos padrões de beleza, de correção, de justiça. A cultura nos une. Esses padrões culturais podem mudar com o tempo, mas a transformação é lenta e jamais o padrão antigo fica totalmente sufocado. Essas grandes obras que tecem a cultura atravessam os séculos, entronizadas por suas lições. A informação pode ser armazenada indefinidamente. A cultura permite escolha de que fontes selecionar para buscar a informação adequada e a melhor forma de usá-la. Eis porque se revela fundamental recorrer a essas fontes de cultura, pois apenas assim a civilização humana não se fragmenta por completo, perdendo-se. Para o aplicador do direito, vale ressaltar que o raciocínio jurídico é analógico. "Analógico" vem de "analogia", palavra grega que significa proporção. Esta parte de uma comparação. Trata-se, pois, de um processo de raciocínio pelo qual se comparam situações ou coisas, nas suas dimensões, para daí chegar a uma conclusão. Para a analogia, é fundamental partir de algum ponto: de um padrão ou mesmo da distorção. Sem um paradigma, não há analogia, pois não se tem proporção. Para compreender e distinguir o feito do belo e o certo do errado, é necessário um raciocínio analógico. O melhor ponto de partida é fornecido pela cultura. Hoje, quando se deseja colher alguma informação, as pessoas simplesmente digitam em seus aparelhos eletrônicos um nome, um objeto de pesquisa. O computador imediatamente devolve a informação. Não se olha para o lado, para trás ou para a frente. Trata-se de um mundo digital. A busca analógica, por sua vez, é distinta. A informação não se oferece pronta, mas deve ser encontrada por meio de um raciocínio. O direito, como se disse, reclama essa apreciação analógica. Os fatos da vida, que servem de fonte à análise legal, não vêm prontos, tal como uma pesquisa feita no computador. O intérprete deve encontrá-los por meio do referido raciocínio analógico, que reclama padrões e pontos de partida. Sem cultura, essa busca, se não impossível, é, ao mesmos, seriamente comprometida." (José Roberto de Castro Neves).

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