"Ao abrir um encontro internacional, a atriz Melina Mercuri, à
época ministra da Cultura da Grécia, anunciou que pronunciaria algumas
palavras em sua língua natal. A plateia mirou-a com certa surpresa e
desencanto, antecipando que nada entenderia. Não foi o que se passou,
todavia, quando ela falou, sonora e pausadamente: "Democracia. Política.
Matemática. Teatro." Vocábulos de uma língua universal, que fazem parte
da semântica do mundo contemporâneo. Se fosse para utilizar um chavão
da temporada, não haveria excesso em dizer: "Somos todos gregos." (Luís
Roberto Barroso). "A História não caminha linearmente. Ela avança aos
solavancos, com notáveis explosões de criatividade, normalmente
temperadas pela rebeldia. [...] Nesse ponto, vale fazer uma distinção
entre cultura e informação. Vivemos numa sociedade assolada por
informações. Temos fácil acesso a todo tipo de dados, sobre os mais
diversos assuntos. As informações chegam pela televisão, pelo celular,
pelos jornais (que, em breve, serão ultrapassados por outras mídias). A
informação vale no momento, mais rapidamente se torna absoleta. (...).
Diferentemente, a cultura é tecida de registros de maior força. São
conceitos fundamentais, obras de arte ou monumentos políticos que, por
sua importância, se afirmam na memória coletiva, criando uma consciência
comum. A partir da cultura, estabelecemos padrões de beleza, de
correção, de justiça. A cultura nos une. Esses padrões culturais podem
mudar com o tempo, mas a transformação é lenta e jamais o padrão antigo
fica totalmente sufocado. Essas grandes obras que tecem a cultura
atravessam os séculos, entronizadas por suas lições. A informação pode
ser armazenada indefinidamente. A cultura permite escolha de que fontes
selecionar para buscar a informação adequada e a melhor forma de usá-la.
Eis porque se revela fundamental recorrer a essas fontes de cultura,
pois apenas assim a civilização humana não se fragmenta por completo,
perdendo-se. Para o aplicador do direito, vale ressaltar que o
raciocínio jurídico é analógico. "Analógico" vem de "analogia", palavra
grega que significa proporção. Esta parte de uma comparação. Trata-se,
pois, de um processo de raciocínio pelo qual se comparam situações ou
coisas, nas suas dimensões, para daí chegar a uma conclusão. Para a
analogia, é fundamental partir de algum ponto: de um padrão ou mesmo da
distorção. Sem um paradigma, não há analogia, pois não se tem proporção.
Para compreender e distinguir o feito do belo e o certo do errado, é
necessário um raciocínio analógico. O melhor ponto de partida é
fornecido pela cultura. Hoje, quando se deseja colher alguma informação,
as pessoas simplesmente digitam em seus aparelhos eletrônicos um nome,
um objeto de pesquisa. O computador imediatamente devolve a informação.
Não se olha para o lado, para trás ou para a frente. Trata-se de um
mundo digital. A busca analógica, por sua vez, é distinta. A informação
não se oferece pronta, mas deve ser encontrada por meio de um
raciocínio. O direito, como se disse, reclama essa apreciação analógica.
Os fatos da vida, que servem de fonte à análise legal, não vêm prontos,
tal como uma pesquisa feita no computador. O intérprete deve
encontrá-los por meio do referido raciocínio analógico, que reclama
padrões e pontos de partida. Sem cultura, essa busca, se não impossível,
é, ao mesmos, seriamente comprometida." (José Roberto de Castro
Neves).
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